O CORONAVÍRUS É EXPRESSÃO DA MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL!

DIEGO DE OLIVEIRA SOUZA
[Doutor em Serviço Social/UERJ. Professor do PPGSS-UFAL/ Maceió e da graduação em Enfermagem/UFAL/Arapiraca]

Não foi a pandemia da Covid-19 (doença causada pelo novo coronavírus) que determinou o caos social, mas foi o caos social (inerente ao capitalismo) que criou as bases para o estabelecimento da pandemia! Mais especificamente, devemos reconhecer que foi a mundialização do capital – ora manifesta no que se convencionou chamar de globalização – a responsável pelas bases sociais da pandemia do coronavírus, sobretudo pela velocidade com a qual se desenvolveu. Para François Chesnais, a mundialização do capital marca a fase contemporânea do capitalismo, porquanto ocorra a centralização de capitais gigantescos ante um “novo” conjunto de relações internacionais, que (re)modela a esfera econômica e que elimina qualquer fronteira que se interponha à expansão geopolítica do capital. Tal processo se reflete em determinada conformação da vida social, em um novo arranjo espaço-temporal, com aceleração da rotação do capital nas suas variadas formas (sobremaneira na especulação financeira), trânsito rápido de pessoas e objetos por grandes distâncias e com repercussão global de fatos nacionais. Essa dinâmica se reproduz até mesmo nas micro-instâncias, determinando padrões fugazes de educação, cultura e consumo em geral. Mesmo entre os segmentos mais pauperizados da classe trabalhadora, introjeta-se um estilo de vida determinado por esse formato internacional, ainda que lhes seja prometido e, logo depois, negado o acesso à maior parte das supostas “benesses” da globalização. 1 Pensando com Mészáros, a dinâmica contemporânea do capitalismo nada mais é do que a resposta do capital à sua crise estrutural2.

Ao chegar aos seus limites e evidenciar a sua insustentabilidade, o capital tenta remediar o irremediável. Tanto é que, a superficial sensação de administração da crise cai por terra quando se percebe que a partir das respostas dadas surgem novas ameaças e, assim, descobre-se que o “remédio” é, na verdade, “veneno”. Essa dinâmica anárquica e catastrófica está no “genótipo” (essência) capitalista e o atual momento da saúde global é o seu “fenótipo” (aparência). Fica clarividente o caráter contraditório desse modo de organizar a vida, inclusive porque as medidas neoliberais corolárias às respostas do capital à crise estrutural foram responsáveis por fragilizar as estruturas sociais capazes de mitigar a pandemia.

Há tempos temos acompanhado um desmonte intenso das políticas de saúde pública em várias partes do mundo, fragilização da ciência ou o direcionamento das pesquisas aos interesses supérfluos do mercado e, agora, o Estado Neoliberal se vê obrigado a recorrer a tudo aquilo que ele negou e relegou.

Todavia, basta um olhar mais atento sobre o que é o sistema do capital para ver que esse caráter contraditório não é uma excepcionalidade, mas algo que lhe é constituinte.

Obviamente, nesses momentos mais agudos, fica mais fácil perceber quem é o verdadeiro “gigante de pés de barro”. Pode até existir argumentos que afirmem que se foi a globalização que criou as bases da pandemia, é também ela que, devido à alta velocidade de troca de informações, vai resolver o problema.

Tal reflexão, além de rasa, apenas ratifica o caráter contraditório do sistema, inclusive porque os resultados dessa suposta resolução, se acompanharem o que a história tem demonstrado, não passarão de deslocamentos do eixo do problema e/ou disfarces. Ademais, o quiproquó do problema ganhará suas formas mais claras quando a Covid-19 se tornar epidemiologicamente mais relevante nos países da periferia capitalista, inclusive entre indivíduos que terão dificuldades em seguir as normas de prevenção com o rigor que a situação exige. Portanto, as respostas dadas à pandemia chegarão com intensidades diferentes nos polos que constituem essa relação desigual e, talvez, quando a doença se tornar menos relevante nos países de economia avançada, as instituições globalizadas passem a lhe dar menor importância.

Novamente, a desigualdade social inerente ao sistema poderá determinar consequências desiguais entre as classes sociais, o que pode adiar a contenção da curva ascendente no número de casos novos e de mortes por Covid-19, mas sem o mesmo apelo social.

Com efeito, a estratégia momentânea de enfrentamento da pandemia se localiza nas medidas de prevenção que envolvem higiene e isolamento social (o que é urgente!).

Entretanto, não podemos fechar os olhos para o fato de que a duração e as sequelas da Covid-19 terão impactos diferentes nas nações e, dentro delas, nas classes sociais.

Só o combate radical à desigualdade social (e, portanto, da estrutural social que lhe determina) poderá abrir horizontes verdadeiramente humanos para a saúde global, até porque o processo de mundialização não deixa dúvidas de que para o capital não há fronteiras (o que vale também para as doenças), alcançando tudo e todos, mas sempre de formas desiguais.

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Citações

1 – Chesnais, F. A mundialização do capital, São Paulo: Xamã,1996.

2 – Mészáros, I. Para além do Capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo. 2009.