Desregulamentação dos direitos trabalhistas – Entrevista especial com Edilson Graciolli
IHU On-Line
“As esquerdas têm perdido a capacidade de disputar a hegemonia e isso possui, a meu ver, uma grande importância”. A reflexão é do sociólogo Edilson Graciolli, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail. Ao avaliar a atuação da esquerda na atual conjuntura trabalhista, ele assegura que “se, por um lado, ainda há a centralidade do trabalho em duplo sentido (…), por outro lado, não se pode fazer vista grossa à crescente dificuldade de os trabalhadores terem o protagonismo na cena política e à igualmente relevante dificuldade de o sentimento de pertencimento à condição de assalariados se efetivar em termos de identidades políticas”. E rebate: “Isso está na raiz de uma postura mais negocial e menos confrontativa”.
Na entrevista a seguir, Graciolli comenta o Acordo Coletivo Especial – ACE. Para ele, a proposta do sindicato dos metalúrgicos do ABC é equivocada porque “a prevalência do negociado sobre o legislado tende a rebaixar o que a legislação assegura”. E acentua: “Eu veria essa proposta de forma positiva se o negociado sempre significasse conquistas para além do que está previsto na legislação trabalhista, mas sabemos que o contrário é a tendência”. Na avaliação dele, o atual contexto é de “dificuldade de mobilização e aglutinação dos trabalhadores quanto a pautas que façam frente à desregulamentação dos direitos sociais, dentre eles os trabalhistas. Os sindicatos vivem, há tempos e em termos mundiais, uma crise de representatividade e capacidade de mobilização. Mas é preciso reconhecer que essa crise não é homogênea, nem ocorre sem contratendências. Aqui e acolá, os trabalhadores também dão sinais de que não aceitam permanecer num quadro de lutas apenas defensivas”.
Edilson Graciolli é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, e mestre em Sociologia e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. Cursou pós-doutorado em Sociologia na Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. É professor da Universidade Federal de Uberlândia, membro dos conselhos editoriais das revistas Crítica Marxista e História & Luta de Classes.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é o balanço que faz do movimento sindical, das centrais sindicais nos últimos anos? Que mudanças é possível apontar após o governo Lula e Dilma em relação à atuação anterior?
Edilson José Graciolli – A CUT praticamente abdicou de tensionamentos que significassem divergências com os projetos governamentais, como no caso da reforma da previdência em 2003. Em geral, pode-se dizer que os sindicatos, até pela ausência de projetos estratégicos marcados por contornos mais combativos, negociaram em um patamar rebaixado em termos de direitos sociais. Por outro lado, há de se reconhecer que a recuperação do poder de compra do salário mínimo, com rebatimento para os trabalhadores que ganham até três ou quatro salários mínimos nominais, representou um avanço para a classe trabalhadora, e isso explica, em larga medida, um certo arrefecimento no ânimo reivindicatório.
No que diz respeito a mudanças entre o governo Lula e o da presidente Dilma, entendo que o último revelou maior inflexibilidade na negociação, por exemplo, com o funcionalismo público, particularmente com os professores das universidades federais.
IHU On-Line – A que atribui a mudança no sindicalismo, que assume uma postura mais negocial e menos confrontativa?
Edilson José Graciolli – As esquerdas têm perdido a capacidade de disputar a hegemonia e isso possui, a meu ver, uma grande importância. Se, por um lado, ainda há a centralidade do trabalho em duplo sentido (como atividade produtora das condições materiais de existência, o trabalho é ineliminável das sociedades; além do mais, o capitalismo contemporâneo continua a fazer do trabalho abstrato sua lógica estruturante), por outro lado, não se pode fazer vista grossa à crescente dificuldade de os trabalhadores terem o protagonismo na cena política e à igualmente relevante dificuldade de o sentimento de pertencimento à condição de assalariados se efetivar em termos de identidades políticas. Isso está na raiz de uma postura mais negocial e menos confrontativa.
Entretanto, há outros elementos a serem considerados. A ampliação do assalariamento (mais atividades laborativas ocorrem no interior de múltiplas formas de compra e venda da força de trabalho, algumas delas disfarçadas por mecanismos que tentam burlar direitos trabalhistas, como a famigerada “pejotização”) não significa um correspondente aumento do universo de homens e mulheres que se põem a campo na luta política como assalariados. Os mecanismos e os instrumentos para se tentar diluir a solidariedade entre os que vivem da venda de sua força de trabalho têm sido eficazes, e isso não é pouco na luta política mais geral.
IHU On-Line – Como avalia a proposta do sindicato dos metalúrgicos do ABC, com o Acordo Coletivo Especial? O que muda para o movimento sindical a partir dessa proposta?
Edilson José Graciolli – Eu entendo que esse Acordo Coletivo Especial é uma reedição da proposta de que prevaleça o negociado sobre o legislado, ou seja, é um “prato requentado” de uma proposta que já experimentou outros balões de ensaio. O problema é que a prevalência do negociado sobre o legislado tende a rebaixar o que a legislação assegura. Eu veria essa proposta de forma positiva se o negociado sempre significasse conquistas para além do que está previsto na legislação trabalhista, mas sabemos que o contrário é a tendência. O movimento sindical, a partir dessa proposta, conhecerá ainda mais refluxo em suas lutas, hoje já defensivas, como regra.
IHU On-Line – Em que contexto esse acordo surge e por que ele é aceito por determinados sindicatos?
Edilson José Graciolli – O contexto é o da dificuldade de mobilização e aglutinação dos trabalhadores quanto a pautas que façam frente à desregulamentação dos direitos sociais, dentre eles os trabalhistas. Os sindicatos vivem, há tempos e em termos mundiais, uma crise de representatividade e capacidade de mobilização. Mas é preciso reconhecer que essa crise não é homogênea, nem ocorre sem contratendências. Aqui e acolá, os trabalhadores também dão sinais de que não aceitam permanecer num quadro de lutas apenas defensivas.
IHU On-Line – Qual tem sido a repercussão do Acordo Coletivo Especial entre o movimento sindical? Há mais apoio ou divergência?
Edilson José Graciolli – Apenas uma pesquisa permitiria dizer com segurança o que prevalece no movimento sindical quanto a isso. Mas suponho que as críticas devem ser mais expressivas do que o apoio.
IHU On-Line – Como avalia a notícia de que os governos do Brasil e da Alemanha vão firmar um acordo para desenvolver em conjunto um modelo de relações do trabalho?
Edilson José Graciolli – Isso é uma evidência de que também a atual divisão internacional do trabalho se faz repercutir nas formas como os governos buscam regular as relações trabalhistas. Mas vejo nesse horizonte alguns obstáculos quase intransponíveis. A estrutura sindical brasileira é uma afronta à liberdade e à autonomia sindicais, quadro bem diferente da realidade alemã. Além do mais, se pensarmos na Convenção da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que regula as relações trabalhistas na administração pública, o fosso ainda é maior, pois o Brasil é signatário dessa Convenção, mas não a implementa na prática. Então, como se falar em um modelo comum entre arranjos jurídicos sindicais tão díspares?
IHU On-Line – Como interpreta a declaração do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, de que o “Brasil já atingiu a maturidade institucional e econômica necessária para modernizar suas relações trabalhistas”? É isso mesmo?
Edilson José Graciolli – Isso é, de um lado, a revelação de que muitos ainda pensam com critérios evolucionistas e segundo os quais o centro do capitalismo é uma meta a ser buscada. De outra parte, revela que Hegel tinha razão: o melhor dos mundos para o senhor de escravos é que estes pensem com a cabeça daquele.
IHU On-Line – Quais são as novidades da luta sindical brasileira?
Edilson José Graciolli – Não vejo novidades de envergadura expressiva. Talvez a novidade seja, na prática, o fim da unicidade sindical entre os docentes das universidades federais, pois entre eles há pelo menos três entidades sindicais (ANDES, Proifes e Sinasefe), além de sindicatos locais.
IHU On-Line – Quais os desafios postos ao movimento sindical brasileiro na atual conjuntura?
Edilson José Graciolli – O mais importante me parece ser o da necessidade de se recuperar a capacidade e a legitimidade da representação sindical. Isso supõe, a meu ver, o fim da estrutura sindical vigente desde a promulgação da CLT, que se assenta na outorga da representação sindical, nas contribuições compulsórias e na unicidade sindical. Isso me parece condição necessária, ainda que insuficiente. Há outro desafio muito importante, que é o da organização nos locais de trabalho, horizonte há muito perdido pelo movimento sindical.