Mais que pelo direito à moradia, lutemos pelo Direito à Cidade
Nós, trabalhadores, sabemos o quanto custa manter uma casa. Começo de ano e parece que tudo é mais caro: aluguel, impostos e taxas, contas de luz e de água, compra do mês, passagens de ônibus ou combustível, os remédios que faltam no posto de saúde, gás, água de beber (já que ao invés de água potável na torneira distribuída por um saneamento básico de qualidade, a água foi transformada em mais uma lucrativa mercadoria), enfim… Quase todas as nossas necessidades foram transformadas em coisas que podem ser pagas, sendo o salário quase sempre insuficiente. O que passa despercebido nisso é que muitas vezes temos onde morar, mas não temos o direito de morar. E qual a diferença? O direito de morar vai além da moradia, engloba as condições de vida das pessoas nas cidades.
Sabemos que nossas cidades são fragmentadas e que a lógica capitalista segrega, afasta a classe trabalhadora da centralidade da vida urbana. Essa lógica transforma as cidades em negócio lucrativo, onde a riqueza produzida pelo trabalho se converte em fonte de lucro, renda e juros a serem apropriados por poucos. A terra urbana geralmente é mais cara que a rural, justificando o acúmulo de imóveis e terrenos urbanos para a chamada especulação imobiliária, que contribui para elevação do custo de vida em certos bairros, gerando uma “expulsão indireta”, que consiste na mudança de trabalhadores para bairros menos urbanizados e periféricos, mais baratos. O que os proprietários de terra não dizem é que a especulação imobiliária é determinada pela valorização da terra pelo trabalho social, como nos ensinou Marx em O Capital. Ou seja, o preço da terra e da moradia tem como principal determinante o trabalho realizado por nós, classe trabalhadora, que muitas vezes não temos a segurança de onde morar.
No Brasil, estima-se que o déficit habitacional seja de cerca de 5,8 milhões de famílias, que vivem em habitações precárias ou improvisadas, em coabitação, pagam um aluguel abusivo ou vivem sob adensamento excessivo, segundo dados da Fundação João Pinheiro, divulgados em 2014. Contraditoriamente, se todos os imóveis vazios estivessem ocupados, no Brasil só precisariam ser construídas pouco mais de 280 mil casas no estado do Maranhão. Isso mostra a lógica da contradição central entre o capital e o trabalho na cidade. Portanto, a contradição fundamental à produção capitalista da cidade é a mesma ao modo de produção capitalista como um todo: a produção é socializada e a apropriação dos meios de produção e da riqueza por nós produzida é privada, restrita a poucos.
Sabemos que a luta da classe trabalhadora organizada, em torno da pauta da moradia e no Movimento pela Reforma Urbana, alcançou a previsão legal do direito à moradia digna, apenas de modo formal, na chamada Constituição Cidadã, além de dispositivos legais acessórios, como o Estatuto das Cidades (Lei 10.257/2001), a Política Nacional de Habitação, o Plano Diretor, o Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios, o IPTU Progressivo e a Desapropriação-Sanção, dentre outros, submetendo, ainda que apenas legalmente, a propriedade fundiária da terra aos interesses coletivos. Porém, tais instrumentos têm sua execução concreta, na vida real, travada por interesses de proprietários de terras, que veem na renda da terra uma poderosa fonte de enriquecimento. Enquanto frações da burguesia se utilizam do Estado para garantir seus interesses, nós, trabalhadores, somos privados dos direitos sociais conquistados pela luta, sendo não só explorados cotidianamente, mas expropriados ao máximo, como objetivam estas mesmas frações na conjuntura atual. Por isso, é imprescindível nos organizar enquanto classe trabalhadora, transformar essa realidade.
No Brasil e em todas as cidades burguesas do mundo, o que se necessita é de uma revolução, que supere as relações sociais de produção capitalistas, as quais determinam a produção do espaço urbano. Por isso, entendemos o Direito à Cidade como consigna revolucionária, somente assim a luta da classe trabalhadora se torna consequente. Não deve ser reduzido a uma pauta legalista, ao acesso a bens de consumo coletivo, como apregoado por reformistas. O Direito à Cidade diz respeito à apropriação pela humanidade de tudo que até hoje foi por ela produzido. Ao desenvolvimento da vida em coletividade sem os limites e amarras impostos pelo capitalismo. À humanidade vivendo coletivamente sua emancipação. Para além da luta por moradia, lutemos, pois, pelo Direito à Cidade.