Vanguarda no ajuste fiscal do capital, governo Renan quer agora ampla terceirização/privatização do serviço público

Nos últimos dias de 2015 os trabalhadores (as) alagoanos foram surpreendidos com uma manobra do governador Renan Filho (PMDB/PT/PCdoB) e do seu secretário de educação, Luciano Barbosa (PMDB) que, com a menor publicidade possível, resgataram o Projeto de Lei do ex-governador Teotônio Vilela (PSDB) que libera a terceirização dos serviços públicos estaduais, por intermédio da contratação das famigeradas Organizações Sociais (OS’s).

O que são as OS’s?

Com a introdução do neoliberalismo no Brasil a partir dos anos 90, a contratação de servidores públicos concursados e estáveis (os chamados do “quadro”) e o financiamento estatal dos diversos serviços públicos prestados pelo Estado (saúde, educação, cultura, etc.) passaram a ser encarados como coisa do passado, como “gastos” excessivos que deveriam ser cortados para se garantir superávits fiscais para o pagamento da dívida pública (principal fonte de acumulação do capital financeiro).

Daí em diante, o que se viu foi um processo sistemático e planejado de subfinanciamento dos serviços públicos e restrição à contratação de servidores públicos, o que ocasionou o estrangulamento da oferta dos diversos serviços para os usuários, cenário ideal para justificar perante a população a necessidade de se “inovar”, aumentar a “eficiência” por intermédio de novas formas de gestão. Tais alegações não passam de eufemismos para a proposta de privatizar o serviço público que, constitucionalmente, é um direito dos cidadãos e um dever do Estado em ofertá-lo diretamente, sem intermediários privados e estranhos ao interesse público.

As Organizações Sociais (OS’s) propostas pelo governador Renan Filho constituem-se em entidades privadas que viriam para gerir o patrimônio público (escolas, hospitais, etc.). O governo do estado fecharia contrato de gestão com tais organizações – supostamente sem fins lucrativos – que receberiam recursos públicos para administrar o serviço e contratar os trabalhadores envolvidos. Há, claramente, uma terceirização por parte do Estado, que se reduz à condição de contratante de um serviço que deveria ser ofertado por ele mesmo, e uma privatização, visto que os recursos públicos decorrentes dos impostos pagos pelos trabalhadores seriam desviados para o âmbito privado, o qual gere os diversos serviços tendo por objetivo único e exclusivo, o LUCRO.

Quais as consequências das OS’s para os trabalhadores e os usuários do serviço público?

Onde já há aplicação desse modelo de gestão privado as consequências para os trabalhadores, para os usuários dos serviços públicos e para os cofres públicos têm sido as piores possíveis.

Para os trabalhadores, as OS’s representam o fim do serviço público concursado e estável, visto que as OS’s contratam e demitem trabalhadores a bel prazer, tal como qualquer empresa privada. As consequências disso são imediatas: 1) contração salarial em profissões cuja oferta de profissionais seja muito maior do que a demanda do mercado de trabalho; 2) inexistência de plano de cargos e salários que se restringe aos servidores concursados, os quais entram em um processo de extinção; 3) sobrecarga de trabalho mediante a imposição de metas absurdas, trazendo prejuízos físicos e psíquicos para os trabalhadores; 4) enfraquecimento da atividade sindical, visto que os trabalhadores se veem imersos numa gama variada de contratos de trabalho e estão suscetíveis à demissão a qualquer momento, o que, obviamente, enfraquece a disposição de luta em defesa de salários e melhores condições de trabalho; 5) clientelismo na contratação dos trabalhadores, cujos contratos muitas vezes são decorrentes do vínculo que estabelecem com políticos profissionais que “loteiam” determinadas áreas ou OS’s, revigorando o patrimonialismo que assola a política brasileira.

Para os usuários dos serviços públicos esta forma de gestão privada não é menos nociva. Alardeada pelos governos e pela mídia como a saída milagrosa para os problemas do subfinanciamento e da falta de profissionais concursados, as OS’s num primeiro momento buscam mascarar seu caráter nefasto dando ênfase à presteza na oferta de algum serviço específico, que serve de “vitrine” para conseguir o apoio da opinião publica. Todavia, paralelo a esta “máscara” desenvolve-se a reformulação da prestação do serviço público orientado a partir da lógica privada de obtenção de lucro. Assim, passa-se a priorizar determinados serviços menos onerosos em detrimento daqueles que impliquem em maiores “gastos” para as OS’s; busca-se restringir ao máximo o quadro de funcionários à semelhança de uma empresa privada, objetivando-se “fazer mais com menos” no terreno dos serviços públicos essenciais, como saúde e educação; além disso, por se tratarem de entidades privadas que prestam serviços para o contratante (o Estado), as OS’s enterram definitivamente o ideário de controle social, consumando-se a lógica gerencial/empresarial em prejuízo da lógica do público. O resultado disso tudo tem sido a manutenção da precariedade na oferta dos serviços públicos entregues à iniciativa privada nas cidades e/ou estados que aprovaram tal medida. Em Alagoas, várias unidades hospitalares – incluindo as UPA’s – já passaram da gestão pública municipal para a gestão privada, sem que isso tenha ocasionado em benefício para a população.

Por fim, vale frisar que as OS’s estão envolvidas em diversas denúncias de corrupção em todo o Brasil, prática que é facilitada visto que tais organizações não estão submetidas à legislação da administração pública no que se refere às compras de materiais e equipamentos e à contratação de funcionários. Um exemplo recente é a denúncia do Tribunal de Contas Municipal do Rio de Janeiro (TCM/RJ) em relação às OS’s que gerem hospitais e UPA’s naquela cidade: segundo o TCM/RJ, as fraudes nos diversos contratos de gestão chegam a no mínimo R$ 11 milhões, decorrentes de superfaturamento de medicamentos e serviços. A própria contratação dessas OS’s já ocorre sob fraude, pois a regra é que os editais sejam fraudados para beneficiar determinados grupos, muitos dos quais ligados a políticos profissionais que “loteiam” o serviço público privatizado de uma cidade e/ou estado.

Não há, portanto, nenhuma positividade para a sociedade com a implementação desta medida, que apenas intensificará os males hoje existentes no serviço público, produto de quase três décadas de política neoliberal no país, e, o que é pior, criará espaço para a geração de lucro privado com serviços essenciais precariamente ofertados à população. O sofrimento de muitos se transformará na fonte da riqueza de poucos.

Renan Filho: intensificação da privatização e do desmonte dos serviços públicos.

Esse Projeto de Lei das terceirizações não surge de forma desconexa à política fiscal aplicada pelo governador Renan Filho neste primeiro ano do seu mandato. Sentindo os reflexos da crise econômica que assola o país desde 2014, Renan Filho chegou ao Palácio República dos Palmares com a determinação de aplicar a cartilha neoliberal que prevê austeridade fiscal (corte dos gastos públicos), aumento de arrecadação numa economia declinante e entrega do patrimônio público à iniciativa privada.

No quesito austeridade Renan Filho terminou 2015 sendo parabenizado pelo agora ex-Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, discípulo radical da Escola de Chicago e representante direto do capital financeiro. Eis a razão para tal elogio: Alagoas terminará o ano como o segundo estado da federação que mais reduziu gasto com pessoal, uma redução de 0,9%, passando de 49,71% da receita do estado para 48,81%. O governador se arvora em expor este dado que readéqua o estado à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), cujo único objetivo consiste em garantir o pagamento da dívida pública estadual, hoje na casa dos R$ 10 bi – R$ 50 mi por mês apenas em juros -, o que é garantido às custas, dentre outras coisas, da deterioração da já achatada condição salarial dos servidores públicos estaduais. Isso fica explícito no reajuste salarial imposto pelo governo este ano: míseros 5% dividido em três parcelas para o conjunto dos servidores e 7% dividido em quatro parcelas para os professores estaduais, em um ano em que a inflação ultrapassará os dois dígitos. Neste quesito Renan Filho fica atrás apenas do tucano Beto Richa (PSDB/PR), que este ano protagonizou uma das cenas mais repugnantes dos últimos anos ao trucidar os servidores públicos estaduais em greve em praça pública.

O governo do estado busca transmitir para a população a imagem de uma gestão eficiente e proba, capaz de economizar mais de 10% nas despesas estaduais apenas com mecanismos de compra mais modernos e econômicos. Trata-se, entretanto, da mesma política que vem sendo aplica no plano federal, que corta recursos destinados à compra de equipamentos e materiais de manutenção, cortes estes que são propagandeados como “aperfeiçoamento” de gestão. Em um mecanismo puramente ideológico, o negativo torna-se positivo, ou seja, medidas que prejudicam o serviço público e a população são divulgadas como benéficas para o bem-estar social. Hipoteticamente, ainda que a economia com as compras estaduais não prejudicassem os serviços públicos, a destinação dada aos recursos economizados é a pior possível: até o 4° bimestre de 2015 obteve-se um superávit primário de R$ 1,11 bi (equivalente a 20,6%, o maior do país!), montante que não será destinado ao investimento em obras e serviços públicos, mas sim à rolagem da dívida pública estadual.

unidade classista 2

Renan Filho mostra a que veio: corte de transporte escolar e repressão brutal contra a revolta estudantil.

Este programa radical de austeridade fiscal levou o governo estadual à posição de vanguarda no cenário político-econômico atual, chegando a ponto de propor a legalização da redução dos percentuais mínimos constitucionais (25%) para investimento em educação pública. No final de novembro, o Secretário da Fazenda, George Santoro, externou a proposta de Renan: oficializar a redução do investimento em educação para 20,25% da receita, como acréscimos anuais de 0,25%, de modo que o preceito constitucional venha a ser novamente atingido apenas em 2034! Novamente de fazer inveja ao mercado financeiro, que pretende implementar ajuste estrutural para por fim aos percentuais mínimos de investimentos em saúde e educação, tais como previstos na Constituição de 1988, que, segundo alega seus representantes, “engessam” o orçamento público no Brasil, limitando a margem de manobra dos representantes do capital. O mais trágico de toda essa história é o fato de o estado vanguarda da austeridade ser aquele que amarga os piores índices sociais do país, como, por exemplo, o fato de possuir 22% de analfabetismo no total da população.

No campo da privatização do patrimônio público, o governo Renan também não deixa a desejar: logo no início do mandato o governo deixou claro sua pretensão de privatizar a CASAL, medida de impacto imediato sobre os trabalhadores e a população, que amargariam com aumentos nas tarifas de água e esgoto. Empresas como Odebrecht, OAS e Queiroz Galvão demonstraram interesse em participar do processo, logo elas que financiaram a campanha do então candidato com quase R$ 8 milhões em 2014. O governo retirou a proposta, muito provavelmente por desinteresse das empresas neste momento de Lava-Jato e crise econômica, mas deixou claro seu compromisso ideológico e fisiológico com a privatização. Basta os compradores retomarem o interesse que a empresa será posta novamente à venda.

Pelo que foi enumerado acima, fica evidente que a retomada da Proposta de Lei de liberalizar a terceirização/privatização na prestação de serviços públicos em Alagoas é extremamente funcional à orientação política e ideológica do governo Renan, visto que a contratação de serviços não é considerada para fins de limite de gasto com folha de pagamento perante a LRF. Em outros termos, a carência de servidores imposta pela LRF seria – em tese – suprida com a contratação de trabalhadores em condições precárias, com salários mais baixos que os atualmente vigentes, sem estabilidade e sem plano de cargos e salários. Em consequência disso, reduzir-se-ia o investimento em serviços públicos e, simultaneamente, seria criado um ambiente fértil para conchavos políticos e fonte inesgotável de corrupção. Afinal, cada um desses contratos seria fechado com OS’s relacionadas aos políticos aliados, formando-se uma teia complexa de patrimonialismo, que tem grande capacidade de se reciclar em razão das novas tendências internas e externas da economia e da sociedade.

Necessidade de resistência aos planos de ajuste neoliberais

Diante da crise econômica capitalista e da disposição dos governos em aplicar a saída burguesa para a crise, em prejuízo dos trabalhadores, resta a estes últimos organizarem a resistência para a defesa dos direitos e dos padrões de vida já precários conquistados pelas gerações passadas. A luta contra as OS’s não deve ser vista, portanto, nem como uma luta isolada do todo, pois está diretamente associada ao novo choque neoliberal exigido pelo capital, nem como uma luta a ser travada apenas pelos servidores públicos diretamente atingidos. Há que se expor pacientemente à população trabalhadora que a política neoliberal de ajuste fiscal e de privatizações não traz nenhum benefício para o povo, todas as camadas dos trabalhadores serão atingidas negativamente, especialmente os mais pobres.

Tarefa imediata é arregimentar a resistência nos locais de trabalho junto aos servidores públicos estaduais, e, de forma concomitante, sair às ruas para disputar a consciência das demais parcelas dos trabalhadores, que serão bombardeados com propagandas governamentais e com a apologia da grande mídia, sempre entusiasta das medidas neoliberais.

Entretanto, um aspecto fundamental não pode ser omitido: o sindicalismo dos servidores públicos estaduais está nas mãos da burocracia cutista, e que partidos como o PT e o PCdoB são base de apoio do governo Renan, além de nacionalmente estarem coligados com o PMDB na base de sustentação do governo Dilma. Tal fato tem consequências negativas para as lutas defensivas que se fazem necessárias para se barrar este Projeto de Lei. Não se pode esperar do aparato dos grandes sindicatos a disposição política e o engajamento necessários para se vencer esta batalha. Trata-se de organizar a resistência no diálogo junto à base, denunciando junto a esta o atrelando das direções sindicais ao governo, exigindo que elas cumpram com seus papeis, convocando assembleias periódicas, fazendo campanhas de agitação nas suas bases e campanhas de conscientização na sociedade civil. Este trabalho deve se iniciar o quanto antes, sendo fundamental a constituição de um

Comando de Lutas contra as Políticas Neoliberais em Alagoas, capaz de agregar organizações políticas, oposições sindicais e movimentos sociais e estudantis comprometidos com o rechaço ao neoliberalismo e suas expressões nos âmbitos federal, estadual e municipal.

Nesse sentido, os estudantes secundaristas que também serão diretamente afetados por essas medidas, têm um papel político importante a desempenhar. As ocupações das escolas em São Paulo e Goiás evidenciam a força que juventude politizada e organizada possui contra os desmandes do Estado autoritário burguês. É preciso mobilizar os estudantes!

A luta contra as OS’s pode ser o pontapé inicial para a constituição desse Comando mais amplo, capaz de se contrapor com radicalidade a todas as expressões do neoliberalismo e aos seus representantes no seio do movimento sindical, às direções pelegas que, quando muito, protocolam um pedido de reunião com o governo estadual para negociar as perdas.

NÃO AO PROJETO DE LEI DE TERCEIRIZAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO ESTADUAL!

NÃO AOS AJUSTES FISCAIS DOS GOVERNOS DILMA (PT-PMDB) E RENAN (PMDB-PT-PCdoB)

NENHUM DIREITO A MENOS, AVANÇAR NAS CONQUISTAS!