Um país com 200 mil na escravidão

Correio Braziliense

Existem hoje, no Brasil, mais de 200 mil trabalhadores em condições análogas às da escravidão. É o que aponta a estimativa da primeira edição do Índice Global da Escravidão (Global Slavery Index), divulgado hoje pela ONG inglesa Walk Free Foundation. O índice traz um levantamento sobre trabalho escravo em 162 países, posicionando o Brasil em 94º lugar. A Mauritânia (país da costa noroeste da África) aparece na primeira posição, com a maior população relativa de escravos. Na outra ponta, Islândia fecha a relação, seguida dos também europeus Irlanda e Reino Unido. Em todo o mundo, a ONG estima em 29,8 milhões o número de trabalhadores escravizados.

“É um levantamento importante, que goza de credibilidade e que ajuda a entender essa realidade. Mas não pode ser considerado um número definitivo. Existem diversas estimativas, algumas falando em até 400 mil trabalhadores escravizado no país, mas esse é um problema difícil de quantificar”, diz Leonardo Sakamoto, cientista político que estuda o tema. Sakamoto é integrante da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), ligada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

“Hoje, no Brasil rural, a escravidão contemporânea foi detectada na pecuária, em madeireiras, na mineração, em carvoarias e em lavouras de cana-de-açúcar, algodão, milho e soja”, diz o relatório. “Nas áreas urbanas, há casos documentados na manufatura de roupas e na construção civil, envolvendo a exploração de imigrantes bolivianos e migrantes pobres de outras regiões do país”, informa o estudo. Ainda segundo o levantamento, 97% dos trabalhadores escravizados no país são homens acima dos 17 anos, geralmente com baixa escolaridade.

O relatório elogia as ações do Brasil no combate ao trabalho escravo, mas ressalta que a impunidade de aliciadores e contratantes é um dos principais entraves para a erradicação do problema. “O Estado brasileiro tem sido muito atento ao trabalho escravo, reconhecendo sua existência e promovendo a discussão com o público, a mídia e os diferentes departamentos do governo, desde a década de 1990. Esses esforços, entretanto, são ameaçados pela impunidade desfrutada pelos donos de terras, empresas locais e internacionais e intermediários, como os “gatos””.

O procurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), Luís Antônio Camargo de Melo, confirma o problema apontado pelo relatório. Ele lembra que manter alguém em condição de trabalho escravo é considerado crime de menor potencial ofensivo. “Esse crime está tipificado no artigo 149 do Código Penal e é punível com prisão de 2 a 8 anos, o que possibilita a aplicação de penas alternativas, como a prestação de serviços comunitários”, informa Camargo. “Só me lembro de uma única condenação criminal, transitada em julgado, por esse crime. O autor foi obrigado a pagar algumas cestas básicas”, ilustra. “Nós temos uma margem maior de sucesso nas ações civis, na Justiça do Trabalho, que terminam em multas e pagamento de indenizações”, ressalva o procurador-geral do Trabalho.

Entre 1995 e 2012, inspeções dos grupos móveis formados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), pelo MPT e pela Polícia Federal libertaram mais de 44 mil trabalhadores da escravidão. Em 2012, foram feitas 146 operações do tipo, resultando na libertação de 2.750 trabalhadores e na regularização de 1.548, de acordo com dados do MTE.