PROFESSORES DAS UNIVERSIDADES PRIVADAS – IMPACTOS DA PANDEMIA E DA EADIZAÇÃO DAS DISCIPLINAS

Desde a primeira década do século XXI as redes privadas foram impulsionadas. Em que pese os aspectos positivos de políticas como a ampliação do FIES e do PROUNI, como políticas de inclusão de mais estudantes no ensino superior, desde o início da sua implementação, os profissionais de educação e o movimento estudantil já apontava os limites dessas ações. O PROUNI se apresentou como uma forma de transferência de recursos públicos para a iniciativa privada, já que as vagas disponibilizadas por tal programa permite a isenção de impostos a partir da quantidade de vagas ofertadas pelas empresas de ensino. Além da transferência de recursos (se cobrado, os impostos alvo da isenção poderiam ser utilizados para a ampliação de vagas na rede pública, contratação de professores e professoras e reestruturação das universidades e institutos estaduais e federais), o PROUNI abriu espaço para a difusão de empresas como a Educa Mais Brasil que fornece um financiamento complementar aos estudantes que não conseguirem obter bolsas de 100% a custear o restante da mensalidade via tais instituições financeiras, mais uma vez fortalecendo o Capital Financeiro sem nenhuma contrapartida social de tais regalias. Em 2014, ano em que as instituições privadas não apenas aumentaram o número de vagas relacionados ao programa, a oferta das bolsas do PROUNI superou a quantidade de candidatos naquele ano que foi de 1,3 milhões de pessoas (1), resultando, em muitos casos, na abertura de novas vagas e cursos sem que as Instituições do Ensino Superior fizessem os investimentos necessários em contratação de funcionários, professores e professoras e sem que a capacidade das salas fossem ampliadas, gerando uma cultura que persiste até os dias de hoje com turmas superlotadas, sobretudo no primeiro semestre.

No caso do FIES, 2014 ficou conhecido como o ano da farra do programa. Em 2015 a Kroton possuía 60% de seus milhares de estudantes matriculados bolsistas do referido programa, que trouxe estabilidade para as empresas privadas, enquanto endividava estudantes que não possuem nem uma educação básica de qualidade e tampouco uma renda que lhes possibilite pagar seus cursos de nível superior. Segundo dados do CADE (2), 1,9 milhão de novos estudantes aderiram ao programa, disponibilizando para as empresas privadas de educação cerca de 13 bilhões de reais. Mas poderíamos nos perguntar quais benefícios foram trazidos para os estudantes que ingressaram em tais instituições. A resposta é: nenhum.

De lá para cá, em especial a partir de 2016, quando a economia brasileira consolidou sua crise econômica e política, as instituições privadas passaram a ter perdas relacionadas à diminuição do poder de consumo do brasileiro e do aumento vertiginoso do desemprego e dos subempregos, agravados pelas reformas trabalhistas (Cabe incluir aqui também a lei que regularizou a terceirização, ampliando-a, inclusive, para as atividades fins) e previdenciária. Ao invés de utilizarem o montante adquirido, com todas as facilidades do governo, nos anos anteriores, as instituições, com uma sanha desenfreada por obter cada vez mais lucros, passaram a desmontar a educação superior. Os chamados “turmões” passaram a ser uma prática comum, turmas em que dividem o mesmo espaço estudantes de diversos públicos, ainda que os Planos de Ensino foquem mais em abordagens que contemplam mais uns cursos do que outros. Além dos “turmões” a redução do quadro docente foi outra medida tomada pelas empresas. Não só docentes, mas também todo quadro funcional, trabalhadoras e trabalhadores dos chamados Serviços Gerais, atendimento, etc.

O processo de eadização dos cursos presenciais também passou a andar de vento em popa. Respaldados pelas legislações da educação, que permitem a oferta de um percentual de disciplinas (20% antes até a recente ampliação para até 40%) de disciplinas on-line em cursos presenciais, mais um benefício dado pelo Estado brasileiro para os tubarões do ensino, significou um aumento ainda maior, chegando a ter até 300 estudantes por turma on line, de diversos cursos e com diversas demandas de aplicação dos conteúdos distintos. Isso resultou, para as e os docentes, a diminuição do valor recebido por hora /aula. Em muitos casos, os professores foram substituídos por tutores, que recebem salário fixo e burlam as relações trabalhistas, já que em sua maioria cumprem o papel de docentes e não apenas de tutores, sendo responsáveis pelo acompanhamento do desenvolvimento pedagógico nas disciplinas, correção de trabalhos e avaliações. Além da hora / aula, os prazos apresentados pelas instituições para a correção das atividades e avaliações giram em torno de 5 (cinco) a 7 (sete) dias, sendo que com a quantidade de estudantes por turma se apresenta inviável o ou a docente realizar uma correção qualitativa em tão pouco tempo, já que na maioria das vezes a classe docente tem que ministrar aulas em diversas instituições para conseguir fechar uma remuneração que lhes possibilite condições mais dignas de vida e que, é sempre importante lembrar, não está restrito à presença em sala de aula, já que são solicitados relatórios de desempenho de estudantes, preenchimento de diários, planejamento de aula, cursos de aperfeiçoamento, correção de trabalhos e provas, etc.

Com a chegada da pandemia e o isolamento social, que se iniciou em março do ano corrente, a situação só se agravou. Enquanto as instituições privadas de ensino economizam em sua infraestrutura, já que não poderá haver aula presencial, o controle sobre o trabalho docente aumentou ainda mais. Os trabalhadores e as trabalhadoras da educação, em todos seus níveis, tiveram que se adaptar a uma modalidade de aulas virtualizadas como puderam, sem nenhum investimento de tais IES no sentido de oferecer aos docentes condições adequadas de trabalho, deixando de disponibilizar computadores, câmeras e outras ferramentas que possibilitassem o exercício pleno de suas funções. Enquanto as instituições se recusam em oferecer descontos para os e as estudantes (apenas o fazem quando a justiça os obriga), muitas delas apresentaram contratos abusivos aos seus profissionais. Como noticiado no jornal Metro 1, matéria de 27 de abril de 2020, a UNIFACS (3), instituição privada que atua no mercado de IES no estado da Bahia, do grupo americano Laureate, foi enviado para os e as docentes um contrato que tem em seu texto a autorização para que professoras e professores deem ciente de que a produção de conteúdos e imagens realizada no período da pandemia podem ser utilizados pela empresa a qualquer momento da forma e com a finalidade que a mesma queira sem nenhum tipo de remuneração dos profissionais que produzirem. Ou seja, se aproveitando da atual situação, a UNIFACS, e podemos afirmar que outras instituições, como a UNIJORGE – Ilumno e a UniRui – Wyden, também pressionaram seus profissionais, em meio ao medo de perderem o emprego, a assinar um contrato abusivo com conteúdo semelhante. Quando procurada, a UNIFACS respondeu que não tinha como intuito usar conteúdo e imagem e apenas visava proteger os profissionais. Porém, se assim fosse, porque a cláusula presente no referido documento?

Vemos no país um desmonte dos direitos trabalhistas e sociais nos últimos anos. Temos certeza de que parte de tal projeto é destruir a educação como um todo. Todos os representantes do Ministério da Educação buscaram representar os interesses do setor privado, enquanto não param as denúncias sobre o sucateamento da educação básica, cortes de verbas nas universidades públicas, ainda que estas últimas sejam responsáveis pela produção 60% da produção científica e tecnológica de nosso país. A sanha dos donos das multinacionais, que hoje administram a educação superior privada em nossa país, é infindável, não estão preocupados com a qualidade do ensino (a não ser, é claro, nos cursos que servem às elites de nosso país, para, dessa forma, manter inalterável o status quo desse setor) e sim com os lucros e dividendos que podem oferecer uma educação cada vez mais bancária, doutrinadora, alienante e que apenas alimenta ilusões de uma melhor colocação do estudante formado no mercado de trabalho. Sem mobilização de estudantes e trabalhadores da educação da iniciativa privada, uma luta consequente pela estatização de tais instituições, não há futuro nesses espaços.

NOTAS

1.CRUZ, Andreia Gomes. Capital e poder a serviço da Globalização: os oligopólios da educação privada no Brasil. Avaliação (Campinas), vol. 33, n. 03, Sorocaba. Setembro/Dezembro / 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php…

2. http://www.cade.gov.br/…/dee-publicacoes-anexos/caderno-de-…

3. UNIFACS obriga professores a cederem aulas em vídeo e ameaça colaboradores de demissão. Disponível em https://www.metro1.com.br/…/91128,unifacs-obriga-professore…

Coordenação Estadual – Unidade Classista Bahia