Pesquisa revela aumento da informalidade e precarização no campo

MST

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) lançou um novo estudo em outubro no qual analisa o mercado de trabalho do meio rural brasileiro.

O estudo traçou o perfil dos trabalhadores do campo, as condições de trabalho e as mudanças no setor que levam a alterações drásticas na atuação da profissão.

Um fato constatado foi o processo de especialização e mecanização contínuo do processo agrícola, o que reduz os postos de trabalho.

Segundo o estudo, em 1970 havia pouco mais de 160 mil tratores em operação no meio rural. Em 2013, eram quase 1,2 milhão. O tipo de modernização empregado, além de ser uma das causas do êxodo rural, exige da força de trabalho que permanece uma qualificação maior.

Para Guilherme Delgado, doutor em economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, a mecanização não é o problema, e sim o tipo de modelo agrário que se beneficia desta mecanização.

“A mecanização é inevitável, e não é ruim. Há mecanização na agricultura familiar também. O problema é a forma como a agropecuária cresce no Brasil. A larga produção de commodities, homogênea, em larga escala, é excludente. Para produzir 1000 hectares de soja, milho, não precisa de muita gente. Menos de dois milhões de trabalhadores (2% da População Economicamente Ativa) contratados regularmente movem o agronegócio. Isso é extremamente pequeno e não tem dinâmica ocupacional, é restrito e precário”.

Segundo o Dieese, a concentração de terras também aumentou significativamente. “O número de empregadores caiu de 559 mil para 267 mil (52,2%), resultado de forte concentração da propriedade de terras, fruto da elevada capitalização do meio rural nos últimos tempos, inclusive com a participação de grandes volumes de capital internacional”, diz a pesquisa.

Estima-se que o número de camponeses que são parte da agricultura familiar caiu. No período de 2004 a 2013, esse segmento foi de 12,5 milhões para 9,6 milhões de pessoas, uma redução de 22,8%.

Precarização

A terceirização no campo está presente dos pequenos negócios rurais às grandes empresas. Da silvicultura (carvoejamento, florestamento e reflorestamento) à produção de cana e celulose, a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho constaram a existência de trabalhadores terceirizados.

Além disso, o trabalho escravo persiste. De 1995 até maio de 2014, foram realizadas 1.587 operações de fiscalização para erradicação do trabalho escravo, em que foram inspecionados 3.773 estabelecimentos e resgatados 46.588 trabalhadores, 44% desse total no meio rural.

As principais atividades econômicas do meio rural com maior número de resgatados são: lavouras (temporárias e permanentes), pecuária, reflorestamento, carvão vegetal, extrativismo, cana-de-açúcar e desmatamento.

A quantidade de acidentes de trabalho também é elevada. O aumento do consumo de agrotóxicos (há cerca de seis mil casos registrados por ano de intoxicação) e o excesso de esforço, fruto do trabalho por produção (onde o trabalhador ganha mais pela quantidade que produzir), é outra causa de acidentes, doenças e mortes no meio rural.

A mecanização utilizada e a precarização do trabalho são dois pontos que ajudam a explicar a perda de cerca de 5 milhões de pessoas que deixaram de viver no campo nos últimos anos.

Segundo o documento, a população ocupada no meio rural caiu de 18 milhões em 2004 para 13 milhões em 2013.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o responsável pela pesquisa Junior Cesar Dias aponta que a falta de infraestrutura no campo contribui para esse resultado.

“É muito difícil ter uma escola ou mesmo um posto de saúde na zona rural. Isso faz com que as pessoas vão para a cidade por conta desse acesso. Existe também um processo de mecanização do trabalho no campo que acaba diminuindo os postos”, explica.

Trabalho informal

O estudo aponta que a maioria dos trabalhadores rurais (59,4% ou 2,4 milhões) não tem a carteira de trabalho assinada. Assim, estão em situação de trabalho ilegal, sem nenhuma das proteções garantidas pelo vínculo formal.

O trabalho informal acaba sendo aceito por muitos dos trabalhadores residirem em áreas exclusivamente rurais, muitas vezes morando no local onde trabalham. Além disso, é comum a existência de trabalhos de curta duração, que não são formalizados.

“O fato de as culturas terem seus períodos de plantio, tratos e colheita diferenciados faz com que grande parte dos trabalhadores sejam contratados para etapas diferentes desse processo, o que torna as contratações temporárias ou de curta duração algo comum ao mercado de trabalho rural. 31,9% dos assalariados estão em empregos temporários, sendo que, nessa situação, estão 47,2% dos empregados sem carteira assinada, contra 9,5% dos com carteira”, afirma o estudo.

Os trabalhadores também estão afastados dos sindicatos rurais: dos 4 milhões de assalariados rurais, apenas 591 mil (14,6%) declararam ser sócios de algum sindicato, e os informais, por sua condição precária, se distanciam do movimento.

“Os trabalhadores com carteira tem tarefa permanente; os sem carteira, sazonais. Com a dinâmica imposta pelo agronegócio de contratar através de terceiros e dispensá-los depois, os informais ficam fora de qualquer sindicato. E também é nessa fatia que se dá o trabalho escavo. Os sindicatos deveriam atuar para aplicar o artigo 186 da Constituição: trabalho escravo viola o direito de propriedade. Afetar o direito de propriedade de quem contrata e tratar a questão trabalhista como questão agrária”, afirma Delgado.

Escolaridade

A escolaridade de boa parte dos trabalhadores, de acordo com o estudo, é baixa. 39,3% tem nenhum ou, no máximo, três anos de estudo, o que soma 1,6 milhão de assalariados em situação de analfabetismo ou com baixíssima escolaridade.

Considerando os informais, a parcela de trabalhadores com até 3 anos de escolaridade sobe para 45,8%. No conjunto dos trabalhadores rurais, a maioria tem baixa escolaridade: 72,3% possuem até sete anos de estudo, percentual que sobe, fator que dificulta o processo de qualificação e a conquista de melhores postos de trabalho.

Além disso, trabalha-se muito para ganhar pouco. O estudo mostra que, entre os trabalhadores assalariados informais, 30,5% tem rendimento de zero a meio salário mínimo, enquanto 72,3% ganham até 1 salário mínimo.

Já no caso dos trabalhadores com carteira, a situação é melhor, mas, mesmo assim, 26,7% recebem até 1 salário mínimo mensal.

“Os empregos oferecidos são de baixa escolaridade. Corte de cana, colheita de frutas, trato animal. Os empregos de maior escolaridade, como o uso de máquinas, são poucos. O trabalho mais técnico é inexpressivo em relação à totalidade do campo”, diz Delgado.

Mulher e jovens

O papel da mulher e da juventude camponesa também é analisado pela entidade. A presença da mulher representa 29,8% do total, sendo majoritária em duas das atividades características da agricultura familiar: 54,4% dos trabalhadores na produção para o próprio consumo e 56,9% dos trabalhos não remunerados.

“Essa significativa menor presença feminina na ocupação rural decorre tanto da predominância da família tradicional com chefia masculina, no caso da agricultura familiar, quanto da exigência de maior força física (geralmente associada aos homens), em várias atividades cuja remuneração do trabalho é feita por produção. Apesar disso, algumas atividades, como a fruticultura, a horticultura e floricultura, tem mão de obra assalariada predominantemente feminina”, diz o estudo.

Por conta do tipo de trabalho, com condições precárias e que exigem força física, a maioria dos trabalhadores (58,0%) tem até 39 anos de idade.

“Basta ver o corte da cana-de-açúcar, em que, ao longo do tempo, o volume de cana cortada por um trabalhador passou de três ou quatro para 10, 12 ou mais toneladas ao dia, exigindo vigor físico só encontrado entre os mais jovens”.

Políticas públicas e participação

Para reverter esse quadro de precarização do trabalho, o estudo afirma que as políticas públicas do campo devem estar voltadas para os interesses dos trabalhadores, principalmente para que estes possam sair da informalidade e se qualificar.

“A geração de emprego deve se pautar pela qualidade do posto de trabalho, coberto pela seguridade e respeitando normas técnicas de segurança, preservando a vida e a saúde do trabalhador, tendo como ponto de partida as especificidades e o perfil dos trabalhadores rurais brasileiros”, conclui o estudo.

Segundo Delgado, a pesquisa tem como foco o trabalho assalariado, o que corresponde a 1/3 da população do campo. As políticas públicas devem ter como alvo os outros 2/3 da população.

“É preciso fazer políticas públicas para essa parcela que não é assalariada, melhorar a produtividade da agricultura familiar, mas não imitando o agronegócio. As políticas públicas têm que incentivar a policultura e a diversidade. Houve mudanças na área social no campo com políticas públicas, mas não existe nenhuma voltada à produtividade”.

Para reverter toda essa realidade apontada pelo estudo, Junior Cesar Dias argumenta que novas oportunidades terão que ser criadas no campo e que medidas como a reforma agrária e o fortalecimento do incentivo ao agricultor familiar tem de ser prioridade do governo.

“Esse processo todo tem diminuído muito o acesso a terra e aumentado consideravelmente a concentração. Para que essa migração diminua, tem de haver também o fortalecimento da agricultura familiar no país”, finaliza.