Os trabalhadores que pararam o progresso
Agência Pública
Já era quase meio-dia quando o goiano Francisco Martins Corrêa chamou o amigo e conterrâneo Paulo Henrique do Nascimento para almoçar. Os dois trabalhavam desde as seis da manhã derrubando árvores em área a ser alagada pela usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia.
O sol estava escaldante, e Francisco tinha fome, queria parar. Paulo recebia um bônus ao final do mês por cada hectare desmatado, queria continuar. “Só mais um”, disse. Francisco insistiu: “Para com isso, Paulinho. Bora lá comer”. Mas não conseguiu dissuadir o amigo.
A caminho do refeitório, Francisco ouviu a árvore tombar seguida de um som estranho: a motosserra pulava sozinha no chão. Gritou o nome do amigo. Nada. Voltou correndo e encontrou Paulinho no chão, com a árvore caída sobre o pescoço. Com o coração disparado, Francisco usou a motosserra do amigo para cortar a árvore que o esmagava. Serrou de um lado, do outro e tirou o tronco de cima do corpo. “Já tava morto, a árvore quebrou o espinhaço dele”, lembra, ainda abalado.
Paulo morreu em setembro. Foi a quinta morte este ano em decorrência das obras das usinas de Jirau e Santo Antônio. As duas hidrelétricas em construção no rio Madeira são o carro-chefe do governo Dilma Rousseff para o aumento da geração de energia no país.
Embora o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) faça fiscalizações sistemáticas, as medidas de segurança são atropeladas pela pressa em terminar logo as obras. É essa a percepção do auditor Juscelino José Santos, da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Rondônia. Em ação fiscal logo depois do acidente que matou Paulo, a primeira ação da superintendência foi determinar o fim do sistema de pagamento por produtividade. “Essa é uma atividade cansativa, que exige grande aporte calórico. Ao se preocupar em produzir, o trabalhador se esquece de comer, beber, ignora a câimbra”, diz o auditor.
Além da construção da barragem no rio, o desmatamento é um dos setores que mais exige esforço físico e onde há mais acidentes. A Energia Sustentável do Brasil, consórcio de Jirau, terceiriza essas atividades a diversas empresas, entre elas a Fox Minas Construtora, que contratou Francisco e Paulo.