Nota da Unidade Classista – Salário não é renda

Salário é o pagamento recebido pela execução de um trabalho. Renda, por sua vez, embora assuma no cotidiano o sentido de fluxo monetário por unidade de tempo (em geral, recebido por mês, contabilizado ao ano para efeito de impostos), tem uma definição no campo da economia política como sendo o ganho adicional decorrente da propriedade de um ativo econômico de oferta fixa e limitada, ou seja, da propriedade da terra e dos recursos naturais. Não se trata de uma “remuneração de um fator de produção”, como querem alguns, porque a propriedade da terra, enquanto “fator de produção”, não é um atributo natural, mas sim o resultado das relações sociais que permitem a apropriação de uma riqueza da natureza por parte de um indivíduo ou grupo de indivíduos, contra toda a coletividade que poderia fazer uso desta natureza. Salário, portanto, não é renda, não cabendo sobre o mesmo a aplicação de um imposto de renda.

A estrutura tributária brasileira é das mais injustas do mundo. O problema não está no tamanho da carga tributária, pois constatamos que vários países do mundo possuem uma relação entre impostos e PIB maior que a brasileira, mas nem por isso seus povos vivem pior. Muito ao contrário: todos os países com cargas tributárias maiores que a brasileira apresentam indicadores de qualidade de vida superiores ao nosso. O problema, portanto, não está na carga tributária em si, mas sim no destino dado aos impostos e na estrutura da tributação, ou seja, a definição de quem paga quanto.

Ao contrário da maioria os países do mundo, o Brasil concentra grande parte de seus tributos na forma de impostos indiretos, que são aqueles que incidem sobre a produção e o consumo e que são transferidos para os preços dos produtos. Um dos problemas dos impostos indiretos é tratar igualmente os desiguais: ricos e pobres pagam a mesma carga de impostos embutidos nos produtos consumidos. Para agravar o caráter regressivo (que significa que quem ganha menos paga proporcionalmente mais) da nossa estrutura tributária, vários produtos de luxo recebem o privilégio da isenção fiscal (lanchas, iates, helicópteros e jatinhos, por exemplo, não pagam IPVA, segundo o DIEESE, o IPEA e o SINDIFISCO Nacional destacam no documento “A Progressividade na Tributação Brasileira”, de agosto de 2011).

Já nos impostos diretos, a injustiça social se estabelece pela baixa tributação sobre a propriedade. O ITR (Imposto sobre a propriedade Territorial Rural), por exemplo, arrecadou R$ 420 milhões em 2008, representando cerca de 0,0397% do total arrecadado e 0,01% do PIB daquele mesmo ano. Ao mesmo tempo, o setor agropecuário obteve um valor adicionado da ordem de 5,0% do PIB. Os nossos ricos pagam menos impostos que os ricos de outros países. Quando pagam. Além da existência de vários mecanismos legais para reduzir ou mesmo não pagar impostos, a classe capitalista brasileira ainda tem uma forte tradição de sonegar tributos.

Ao invés de centrar fogo no combate à sonegação, o Estado brasileiro historicamente tem preferido compensar as perdas tributárias ampliando os impostos sobre os assalariados, especialmente através da tributação na fonte de pagamento.

No destino dado aos impostos, também se reforça o modelo concentrador de renda da economia brasileira, que o coloca entre os países mais desiguais do mundo (em 2011, segundo cálculo do Banco Mundial, foi o décimo-primeiro com maior índice de Gini – o mais famoso indicador de concentração de renda adotado no mundo – atrás apenas de atrás apenas da Namíbia, das Ilhas Comores, de Botsuana, Belize, Haiti, Angola, Colômbia, África do Sul, Bolívia e Honduras). Por um lado, o país se destaca pela triste e longa “tradição” de obras superfaturadas, de má qualidade (para poderem ser feitas de novo e gerarem novos lucros ao setor privado) ou mesmo desnecessárias (os famosos “elefantes brancos”) e contratos de concessão danosos ao patrimônio público (como o caso recente de um prejuízo esperado de mais de R$ 24 bilhões decorrente de fraude das concessionárias privadas das ferrovias brasileiras, segundo o TCU). Por outro lado, o Brasil se destaca com a prática das maiores taxas reais de juros do mundo (sendo o primeiro, em várias ocasiões), que se constitui em uma transferência de centenas de bilhões de reais, todos os anos, obtidos com os impostos pagos por toda a população brasileira, para banqueiros e grandes empresários detentores dos títulos públicos. A ausência de serviços públicos de qualidade que são de responsabilidade do Estado (como educação pública, saúde pública, segurança pública e previdência pública), resultante das colossais transferências de recursos públicos para grandes capitalistas brasileiros e estrangeiros, consiste, portanto, em um efetivo e poderoso mecanismo de concentração de renda e promotor da injustiça social.

Nós comunistas sabemos que as injustiças sociais só serão plenamente resolvidas nos marcos de outra sociedade, que não a sociedade capitalista em que vivemos. Sabemos que o fundamental é socializar os meios de produção, de maneira que toda a sociedade que participa (ou já participou, ou virá a participar) da produção de riquezas possa também decidir sobre seu destino. Trata-se da mais ampla e real democracia, pois associa verdadeira democracia política (que não existe em uma sociedade capitalista, na qual manda quem controla o dinheiro) com a imprescindível democracia econômica (também impossível em uma economia na qual uma casta controla o fruto do trabalho de todos). Contudo, sabemos também que precisamos dar respostas mais imediatas, soluções de curto e médio prazo para melhorar a vida de nosso povo e ao mesmo tempo provar o valor da luta coletiva para mudar a realidade. Sabemos também que o problema da desigualdade social não decorre apenas dos salários baixos e da tributação injusta, mas envolve também o modelo econômico adotado no país. Por isso propomos como forma de reduzir a injustiça social:

– eliminar os impostos sobre os salários

– adotar uma tributação progressiva (quem tem mais, paga mais) sobre grandes fortunas e as grandes propriedades em geral;

– ampliar os impostos, de forma progressiva, sobre lucros e juros;

– reduzir drasticamente os impostos indiretos, proporcionalmente compensados pelo aumento dos impostos sobre a propriedade, lucros e juros;

– adoção pelo Estado de uma política de mais rápida valorização do salário mínimo e dos salários em geral;

– reduzir drasticamente as taxas reais de juros, a partir da adoção de um modelo econômico centrado no atendimento às necessidades das classes trabalhadoras, sendo focado, portanto, na produção e justa distribuição de bens e serviços. Este modelo, para ser viável, precisará instituir o pleno controle estatal sobre a moeda (isto é, estatizando o sistema financeiro), como forma de se combater a especulação financeira;

– promover uma democratização da terra, com a adoção de uma reforma agrária antilatifundiária e ecologicamente sustentável;

– promover uma democratização da economia, com o pleno controle estatal sobre setores estratégicos para o desenvolvimento da economia e a promoção da distribuição da renda, como o setor energético e o de infraestrutura;

– promover a redução da desigualdade social pela ampliação e melhoria da oferta de bens públicos e gratuitos, já que pagos pelos impostos (educação, saúde, previdência, segurança, desenvolvimento econômico com geração de empregos, promoção das culturas, das ciências e dos esportes).

Tais medidas não resolverão o caos social que o capitalismo fomenta, e nem irão definir o país como sendo socialista. Vários países capitalistas, inclusive, adotam em maior ou menor grau as medidas acima. Mas estas medidas podem contribuir para uma maior justiça social e para estabelecer uma trajetória política, econômica e social que nos leve a outro modelo de sociedade, mais racional, mais democrático, mais solidário, mais justo que o capitalismo pode ser, uma sociedade socialista.