Greve provoca fissura nas bases do governo

Autor(es): PAULO DE TARSO LYRA

Correio Braziliense – 14/08/2012

Impasse salarial com os servidores estremece a relação entre o PT e o funcionalismo

Benesses concedidas por Lula acabaram na era Dilma: crise externa impõe novo equilíbrio orçamentário

A decisão da presidente Dilma Rousseff de comprar uma briga com as centrais sindicais fraturou a relação do governo e do PT com uma categoria que sempre foi alinhada ao petismo: o funcionalismo público. Pressionada pela necessidade cortar gastos para o país não sucumbir diante da crise mundial, Dilma resolveu enfrentar os servidores, deixando o PT e os representantes dos trabalhadores perdidos no meio do tiroteio que se intensificou nos últimos dias. “As coisas não estão boas do jeito que estão. Esse é um tema importante para o PT e os servidores são importantes para nós”, afirmou ao Correio um ex-líder do PT na Câmara, que exerce funções de visibilidade no Congresso.

Para piorar o que já parecia caótico, a greve generalizada que se alastrou pelo país vai provocar estragos na vida da classe média. Universidades em greve, com alunos sem perspectivas de continuidade do semestre letivo, além de auditores fiscais parados em portos e aeroportos afetarão a vida do brasileiro comum, o que também pode gerar desgaste na popularidade de Dilma, que ainda se mantém em níveis estratosféricos. “Até o momento, nem o governo nem o PT têm sofrido diretamente, as pesquisas continuam a nossa favor”, tentou minimizar o ex-líder do governo na Casa, Cândido Vacarezza (PT-SP).

Além da questão orçamentária, que impede a concessão de reajustes generosos, Dilma pode estar em busca de estabelecer um novo relacionamento com o funcionalismo público. Sindicalistas ouvidos pelo Correio admitem que o setor está mal acostumado com as benesses dadas ao longo do governo Lula, sobretudo no segundo mandato, quando o ex-presidente reestruturou carreiras e corrigiu o poder de compra do salário mínimo. “O Lula fingia que negociava, concedia os reajustes e deixava o discurso pronto para que os sindicalistas levassem para as suas bases”, lembrou o ex-presidente do Sindilegis, Ezequiel Nascimento.

A presidente, contudo, escorada no argumento da proteção do país contra os terremotos externos, busca, na visão de analistas, impor um novo equilíbrio nesta balança. O problema estaria mais na forma do que no conteúdo. “Dilma está arranhando sua imagem de gestora, que foi construída artificialmente. Como ela pensa que os sindicalistas são todos ligados ao PT, acha que está lidando com a base aliada do Congresso, grupo com o qual também não tem boa relação”, comparou um especialista nas relações entre o Planalto e o Parlamento.

Trauma

Dilma já enfrentou batalhas duras em outros momentos. Mas conseguiu filtrar as ações e aprovar medidas impensáveis em governos anteriores, incluindo o de seu padrinho político. A presidente empurrou os bancos para o canto do ringue ao pressionar pela queda na taxa de juros, puxados justamente pela queda nos percentuais praticados nos bancos públicos. Também conseguiu mudar as regras de rendimento da poupança devido à redução da taxa Selic. “Os brasileiros têm trauma de alterações na poupança, herança das medidas tomadas durante o governo Collor. Lula tentou e não deu certo. Dilma mexeu e o ritmo de aplicações na poupança continua estável”, afirmou o cientista político Rafael Cortez, da Tendência Consultoria.

Mas a presidente tem perdido o discurso. Petistas e integrantes do primeiro escalão do governo lembram que o Planalto demorou a se posicionar diante da greve dos professores, mais atento aos pacotes de desoneração que serão anunciados nos próximos dias. Quando resolveu apresentar uma proposta, ela foi rejeitada pela categoria. “Nesse tipo de disputa, quem grita primeiro parece que tem razão”, reconheceu um sindicalista.

O problema é que a margem para atender o funcionalismo é mínima, pelas contas da equipe econômica. Para piorar, lideranças sindicais ouvidas pelo Correio admitem que a pressão mais intensa vem justamente das categorias que têm mais poder de mobilização, não necessariamente as que precisam de mais aumento. “Você tem 300, 400 mil funcionários com salários entre R$ 800 e R$ 1,2 mil que nunca conseguem nada porque quem sai às ruas são os servidores com salários acima de R$ 10 mil”, disse uma fonte ligada ao funcionalismo.

Sem brechas

O governo se debruça sobre os números e encontra poucas brechas para conceder aumentos. A folha de pagamentos do funcionalismo público já consome R$ 204 bilhões. Se for concedido um reajuste médio para o setor de 10%, isso significaria um acréscimo anual de R$ 20 bilhões, praticamente o mesmo orçamento de investimentos previstos para o país nas obras que não estão inseridas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).