Governo português esconde cortes de salários até do FMI

Opera Mundi

Dados incompletos “ajudaram” fundo a sugerir mais reduções na renda do trabalho ao país

A notícia do Jornal de Negócios fala no “estranho caso dos cortes desaparecidos” no gráfico cedido pelo governo de Passos Coelho ao FMI (Fundo Monetário Internacional) para o relatório da sétima avaliação do memorando do acordo de ajuste feito entre o organismo e o país.

Trata-se de um gráfico que procura mostrar o peso das variações salariais entre 2009 e 2012 para os trabalhadores por conta de outrém com descontos para a Segurança Social. Nos dados relativos ao ano passado, a partir de uma amostra de cerca de 18 mil trabalhadores, o Governo diz que 45% viram os seus salários congelados e apenas 7% dos trabalhadores sofreram cortes salariais.

Mas os números reais estão muito acima do que o gráfico do governo mostra. Segundo o Jornal de Negócios, um quarto da amostra ficou fora destas contas e dois terços dos casos ocultados ao FMI referem-se a trabalhadores que viram o seu salário cortado.

Em vez de 7%, terão sido mais de 20% dos trabalhadores portugueses vítimas de cortes salariais em 2012. A juntar-se a estes, há 45% que viram o salário congelado. Ou seja, apenas um em cada três trabalhadores viu o salário aumentado no ano que passou.

O caso dos dados escondidos pelo governo ao FMI ganha importância quando lemos as conclusões do Fundo em relação às condições do mercado laboral. Levado a crer que os cortes salariais foram muito inferiores ao que realmente aconteceu, o FMI levanta dúvidas sobre o tempo que ainda demorará a cumprir o objetivo da queda dos salários nominais dos portugueses e insta uma vez mais o governo a agravar as políticas que produzam esse efeito no mercado de trabalho, impondo mais precarização e empregos com salários baixos.

Mas, se em vez dos 7% de cortes salariais em 2012, o governo tivesse dado as contas certas, que revelam 20% dos contratos com cortes nas remunerações no ano passado, o FMI teria mais dificuldade em explicar a subida do desemprego com a “rigidez salarial” portuguesa.

Para além de ser necessário o apuramento de responsabilidades por esta discrepância, resta ainda saber o que estará na origem daqueles 20% de cortes. Entre as explicações possíveis, para além da chantagem do desemprego, encontram-se os cortes nas horas extraordinárias pagas aos trabalhadores, situações de mútuo acordo para fugir ao IRS, ou até erros na base de dados utilizada para calcular os cortes.