Governo francês estuda flexibilizar contratos de trabalho

Le Monde – UOL

Em mais de 10%, quase 11%, o índice de desemprego se tornou a chaga do país.

Mas enquanto para essa questão François Mitterrand explicava vinte anos atrás que havia “se tentado de tudo”, o governo de François Hollande rejeita a fatalidade. Ele espera um “acordo histórico” após negociações entre patronatos e sindicatos para reformar o mercado de trabalho.

De acordo com as agências de classificação de risco e certos economistas, há urgência. Segundo a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos (OCDE), a França figura entre os países onde o mercado de trabalho é mais rígido. E isso apesar das adaptações ao código de trabalho realizadas nos anos 1980 e da criação do contrato de duração determinada (CDD), até a recente ruptura de convenção.

“Existe flexibilidade na França, mas ela se concentra em determinados trabalhadores”, explica Stefano Scarpetta, vice-diretor da direção do emprego e das questões sociais na OCDE. Ele reconhece que melhorar a fluidez do mercado de trabalho não bastará para reverter a curva do desemprego, mas isso deve evitar que alguns paguem mais do que outros pelo custo da crise. Até 2009, 80% das perdas de empregos se concentraram em funcionários com contrato de duração determinada, ele ressalta.

Será que a França pode e deve se inspirar nas reformas conduzidas em outras partes da Europa? Obrigados ou fortemente incentivados pela crise a rever seus modelos, a Grécia, Portugal, mas também a Espanha e a Itália tornaram mais fáceis e menos custosas as demissões.

A OCDE registra: na Espanha, as indenizações pagas passaram de 45 para 33 dias por ano trabalhado com um máximo de 24 meses, contra 42 anteriormente. Em Portugal, elas passaram de 20 para 12 meses. Já na Grécia e na Espanha o período de experiência foi estendido nas pequenas empresas.

A ideia é incentivar os donos de empresa a recrutarem mais facilmente sem recorrer abusivamente a contratos precários. Mas nem todos os especialistas concordam quanto aos benefícios dessas reformas. “Provavelmente há coisas a melhorar, mas é preciso tomar cuidado com o dumping social”, alerta Christine Erhel, pesquisadora associada do Centro de Estudos do Emprego. Ainda mais que não existe “nenhuma solução miraculosa” para o desemprego, ela lembra.

Mesmo as virtudes do sistema de “flexisegurança” dinamarquês exaltado por vários especialistas hoje estão mais mitigadas. Nos anos 1990, o país nórdico flexibilizou profundamente seu código trabalhista. Essa flexibilidade foi compensada por uma maior generosidade do Estado em caso de desemprego: as indenizações representavam até 90% do salário pago durante quatro anos. A isso se somavam um eficiente sistema de formações e fortes incentivos para se encontrar um emprego.

Esse modelo mostrou seu valor em tempos de crescimento. Em 2007, o país estava próximo do pleno emprego. Mas a crise colocou em risco o dispositivo. Em 2010, “a duração máxima do seguro-desemprego foi reduzida pela metade”, observa Marion Cochard, do Observatório Francês de Conjunturas Econômicas.

Quanto à Alemanha, apesar de um índice de desemprego pouco maior que 5% segundo o Eurostat, sua organização também é criticada. O diálogo social na indústria, que permite modular salários e tempo de trabalho para evitar as demissões, é elogiado. Mas ele não deixa esquecer que a queda do desemprego no país vem acompanhada de um aumento de trabalhadores pobres.

As leis Hartz, instituídas no início dos anos 2000 como parte das “reformas Schröder”, levaram a revisar e popularizar os “mini-jobs” no setor de serviços: empregos isentos de encargos sociais mas pouco remunerados e menos cobertos pela previdência social. Leis que não foram elaboradas em diálogo com os sindicatos.

Em oito anos, “o número de mini-jobs dobrou, chegando a 7 milhões de trabalhadores alemães, sendo que 5 milhões deles não possuíam qualquer outra renda. Isso gerou um aumento de 20% do número de trabalhadores pobres nas empresas com mais de 10 funcionários desde 2006”, afirma Cochard.

A França não quer esse modelo alemão. O Ministério das Finanças estaria mais propenso às

reformas italianas. Na península, o tecnocrata Mario Monti reforçou a regulamentação sobre os contratos precários ao mesmo tempo em que flexibilizou a regulamentação do contrato de duração indeterminada (CDI).

O “Professore” questionou sobretudo o “artigo 18”, um dispositivo do código trabalhista que tornava incertas e onerosas as demissões. Se um juiz considerasse a demissão ilegítima, o empregador deveria recontratar o demitido. Como a duração média de um processo era de dois a três anos, explica Scarpetta, esse dispositivo dava uma incerteza jurídica nefasta tanto para os empregadores quanto para os empregado, pois para escapar disso os donos de empresa recorreram exageradamente a contratos de trabalho alternativos.

Tirar um pouco de segurança de certos trabalhadores para dar mais a outros, particularmente aos jovens, também será o desafio francês. “É uma contradição profunda. Mas é isso a democracia social”, acredita um contato próximo do Ministério da Economia.