Fiscal que autuou a OGX foi punido e sofreu ataques da diretora da ANP
horadopovo.com.br
Associação dos Servidores condenou as pressões, desagravou o servidor e denunciou outros casos na Agência “Nacional” do Petróleo
Em nota sobre a perseguição a Pietro Mendes, funcionário da Agência Nacional do Petróleo (ANP) que autuou a empresa OGX por operar no campo de Tubarão sem instalar válvulas de segurança – conhecidas como DHSV, iniciais de Downhole Safety Valve – em seus poços, a Associação dos Servidores da ANP (ASANP) denunciou a frequência, na agência, de “atos de retaliação contra servidores de carreira que tentam, e frequentemente não conseguem, desempenhar suas funções em defesa do interesse público. Altera-se uma nota técnica, um parágrafo, a lotação. Retira-se a autonomia funcional, a avaliação e capacitação. Promove-se a inutilidade, o isolamento, a vergonha, a ineficiência e o silêncio”.
QUALIFICAÇÃO
A ASANP retrata sucintamente a vida interna da ANP e suas consequências:
“O Assédio Moral contra servidores públicos compromissados; a premiação com cargos para os que se omitem diante de atos de corrupção; a manutenção de uma cultura onde a defesa do lucro das empresas é prioridade única; a morosidade no julgamento dos casos de improbidade administrativa e crimes contra a sociedade desenham um futuro medíocre para o país”.
O caso de Pietro Mendes, realmente, não é único. Mas é especialmente vergonhoso, e, a poucos dias dos leilões da 11ª Rodada – em que a ANP quer torrar 289 blocos petrolíferos numa superfície de 155,8 mil km², em 11 bacias sedimentares que vão do Amazonas ao Espírito Santo – mostram como a diretoria da agência tenta sufocar qualquer tentativa de preservar os interesses nacionais. O servilismo e o fascismo nunca são fenômenos estranhos um ao outro.
O que fez Pietro Mendes, um funcionário altamente qualificado, com doutorado, trabalhos publicados, prêmios recebidos e ex-professor de uma universidade federal?
Desde novembro, por duas vezes, o superintendente de Segurança Operacional e Meio Ambiente da ANP, Raphael Neves Moura, enviou o Processo Administrativo 48610.006470/2012-77 – uma auditoria referente à OGX – para o funcionário Pietro Mendes, determinando que procedesse à sua análise.
Ao analisar o processo, o funcionário constatou “infração grave. O concessionário informava que não havia instalado válvula de segurança em poço submarino, o que poderia ensejar acidente ambiental grave” (ver nota da ASANP, 1º parágrafo).
Pietro Mendes, então, comunicou “ao seu superior imediato [o superintendente Raphael Neves Moura] que iria elaborar auto de infração. Nenhuma determinação em contrário foi manifestada na ocasião”. O funcionário autuou a OGX. Como ele explica em sua resposta à nota da ANP “lavrar o auto de infração não significa multar a empresa. Quem aplica a multa é o Superintendente de Segurança Operacional e Meio Ambiente, Raphael Neves Moura, julgador de primeira instância. Quanto ao devido processo legal, respeitado o contraditório e a ampla defesa, é de responsabilidade do Superintendente de Segurança Operacional e Meio Ambiente, ou outro servidor por ele designado. Após a lavratura do auto de infração, o mesmo é encaminhado para que o Superintendente proceda o julgamento”.
TESES
Porém, em vez de julgar o processo, o superintendente, misteriosamente, mudou de posição e, na ausência do funcionário (que estava em viagem a serviço), pediu à Procuradoria Geral da ANP que fundamentasse a anulação do auto de infração: “A Procuradoria apresenta um parecer onde defende as teses de que, para autuar, o servidor teria que ter prévia DESIGNAÇÃO para fazê-lo e, necessariamente ter estado presente NO LOCAL onde ocorreu a infração (Parecer 108/2013/PF-ANP/PGF/AGU)”.
As duas teses são falsas. Pietro Mendes tem prévia designação para autuar, fornecida a ele nominalmente pela Portaria ANP nº 286/2011. Essa designação somente lhe foi cassada no último dia sete pela Portaria nº 91/2013 (cf. DOU, 07/05/2013).
Quanto à presença no local, além de ser contra a praxe da ANP (ver as declarações do então diretor-geral, Haroldo Lima, e da atual, Magda Chambriard, no caso Chevron, HP 23/11/2011), quanto à válvula, era desnecessária por duas razões: a primeira é “que não é possível verificar in loco a presença da DHSV por conta da lâmina d’água”, ou seja, a válvula é submarina – e a rotina da ANP não é contratar mergulhadores ou submersíveis para achá-la, mas fiscalizar tais dispositivos a partir de documentos da empresa.
Segunda razão, “a própria empresa informa que não instalou a DHSV, gerando a materialidade que se faz necessária para sua autuação. O que poderia ser mais efetivo do que a própria manifestação por escrito da empresa?” (cf. resposta de Pietro Mendes).
Quando chegou de viagem, o funcionário foi informado que o superintendente exigia sua “retratação” diante da equipe para que continuasse a trabalhar. Mas ele recusou e entrou na Justiça para garantir o seu direito de trabalhar. Em seguida, Pietro foi chamado para uma reunião com o superintendente “na qual lhe imputam inúmeras outras faltas (…); sob forte pressão emocional [Pietro] retira-se da reunião, informando que se a intenção era colocá-lo à disposição, que o fizessem, mas que não ficaria ouvindo acusações que considerava infundadas; no mesmo dia o superintendente convoca reunião com toda a sua equipe, sem a presença do servidor, e declara que aquele teria um comportamento desagregador e antiético e, por essa razão, o estava colocando à disposição” – sem processo administrativo.
SOLIDARIEDADE
Afastado de qualquer função, Pietro foi convocado a uma reunião com os superintendentes da SRH [relações humanas] e da SSM. Este último, seu chefe até pouco antes, diz que “estaria disposto a não solicitar abertura de processo de apuração de sua conduta mediante retratação por e-mail para outros colegas de área”. Mas não consegue a anuência de Pietro Mendes. Em reunião solicitada pela associação de funcionários, esse superintendente diz a dois diretores da ASANP “que havia cancelado o auto de infração e que o próprio servidor havia solicitado sua transferência para a SRH”, o que era, evidentemente, mentira. Tanto assim que ele conta outra no documento de transferência: “a razão da transferência do servidor reside na sua formação de químico”.
Outro funcionário, Kerick Robery Leite de Sousa, que apontou a correção de Pietro Mendes, foi “chamado para uma conversa com a Diretora Geral e o Superintendente Adjunto da SRH. Nessa conversa a Diretora pergunta a esse servidor o por quê da defesa de seu colega Pietro, ‘se era seu amigo ou parente’; no mesmo dia esse servidor é comunicado de sua transferência (…). Seu computador é retirado para análise do NIN (núcleo de informática)”.
O resto é conhecido: a ASANP tenta várias vezes falar com a diretora-geral. Depois de 15 dias, a diretora-geral responde que não tem tempo para receber a associação. Em seguida, a ANP divulgou uma furiosa nota com acusações contra Pietro Mendes. A diretora-geral, nas férias de Pietro, abre sindicância contra ele, nomeia um seu assessor direto para presidi-la, mas não o cita – até agora, Pietro Mendes não foi informado da sindicância nem acusado de nada. Permanece afastado de qualquer função na ANP.