Disputas trabalhistas e políticas envolvem Vale em massacre na África

O Estado de S. Paulo

A ONU enviou uma equipe à região e disse ao Estado que um relatório com a apuração do caso está prestes a ser concluído. O que a ONU já sabe é que o caso começou com um protesto dos moradores de Zogota contra a Vale por causa da política de contratações da companhia brasileira.

A mina de Zogota faz parte de um projeto ambicioso e arriscado da Vale, localizado na serra de Simandou – tratada pela companhia como uma nova Carajás. O direito de exploração foi comprado por US$ 2,5 bilhões, mas a Vale investiu apenas US$ 500 milhões até agora e avalia se vai levar o projeto adiante.

Conflito

Chamado na África de caso Zogota-Vale, o conflito teve início antes dos crimes. Os atritos de moradores com a direção da companhia se arrastavam havia meses. Em 30 de julho, os protestos de habitantes da região mineira de Zogota, no sudeste do país, contra a VBG – Vale BSGR Limited, joint venture da Vale com a BSG Resources, do bilionário israelense Beny Steinmetz – se intensificaram.

Em 1.º de agosto, houve um primeiro grande incidente: manifestantes invadiram instalações da empresa, paralisaram as atividades, destruíram móveis, saquearam equipamentos e ameaçaram funcionários. Eles protestavam contra o suposto não cumprimento, por parte da Vale, de uma convenção trabalhista assinada com o governo da Guiné em troca da exploração de minério na região.

O acordo prevê que as companhias mineradoras que se instalam no país precisam contratar um porcentual mínimo de mão de obra de etnias locais – no caso, os Guerzé e os Tomas.

A Vale alega contratar funcionários guineanos no porcentual exigido (leia texto abaixo), mas membros da comunidade, instigados por líderes políticos, se julgam lesados pela empresa, que não respeitaria a divisão étnica do país. O caso não é o primeiro do gênero na região, onde a Simfer, subsidiária local da anglo-australiana Rio Tinto, também enfrentou hostilidades.

Invasão

Com os incidentes de 1.º de agosto, entretanto, o clima entre os funcionários da Vale e a população local se tornou ainda mais tenso. Em 3 de agosto, uma delegação governamental coordenada pelo ministro de Minas, Mohamed Lamin Fofana, foi à região, em veículos cedidos pela VBG – o que a Vale confirma -, para tentar acalmar os ânimos e chegar a um acordo.

Mas, por volta de 1h da madrugada do dia seguinte, policiais e milicianos voltaram ao vilarejo, invadindo algumas das 300 casas de Zogota à procura de líderes do movimento, dentre os 2 mil habitantes do vilarejo.

Houve choques violentos, uso de bombas de gás lacrimogêneo e armas de fogo pelas forças de ordem. Cinco pessoas acabaram mortas no confronto e uma sexta morreu no hospital dias depois, supostamente em consequência dos ferimentos.

Entre os mortos, estava o chefe do distrito, Nankoye Kolé. De acordo com sua mulher, para sobreviver ao ataque, muitos moradores se refugiaram na floresta. “Nós ouvimos o som dos disparos por cerca de duas ou três horas”, disse N’iankaye Kolé, ao jornalista da Guiné Youssouf Bah, enviado à região pelo Estado. “Quando os tiros pararam, nós saímos de casa e me disseram que meu marido tinha sido morto.”

As mortes chocaram a Guiné e geraram revolta contra as autoridades políticas e militares e também contra a direção da companhia, acusada por líderes locais de ter apontado os suspeitos de liderar o movimento. Lafin Loua, chefe do distrito de Maoun, a sete quilômetros de Zogota, vai mais longe. Em depoimento a Youssouf Bah, ele acusou a companhia de ter fornecido os veículos que teriam sido usados para atacar os manifestantes, e não apenas para transportar a missão ministerial – o que a Vale nega enfaticamente.

Na madrugada dos acontecimentos, ele conta ter sido acordado por um jovem enviado pelo vice-chefe distrital de Zogota para informá-lo do massacre. “Cinco veículos usados pelas forças militares eram da Vale”, disse Loua. “Nós acusamos a Vale por ter permitido que forças militares usassem seus jipes no ataque a Zogota.”

A versão de Loua é reafirmada por outras testemunhas do vilarejo, também em depoimento a Youssouf Bah. Antoine Kolé, ativista que perdeu um sobrinho no massacre, reiterou a denúncia. “Eu vi cinco jipes da VBG cheios de militares carregando armas tarde da noite”, diz ele.

A Vale nega essa acusação. “O governo da Guiné solicitou à VBG que cedesse carros para os ministros que visitaram o local invadido, no dia 3 de agosto”, disse a companhia em texto enviado ao Estado. “Não foram cedidos carros para transporte de militares.”

Rejeição

A insatisfação com os assassinatos ganhou a capital regional, N’zérékoré, e logo transformou o caso em um escândalo nacional. Líderes comunitários, políticos de oposição e algumas organizações não governamentais acusam o governo da Guiné de ter agido pelos interesses da VBG. A companhia brasileira, assim como outras multinacionais, retirou seu pessoal da região.

As denúncias mobilizaram a Organização Guineana de Defesa dos Direitos do Homem (OGDH), que protestou contra as mortes e exigiu a abertura de uma investigação. Com a repercussão negativa, o presidente da Guiné, Alpha Condé, ordenou a abertura de um inquérito e afastou os prefeitos das regiões de N’zérékoré, Sanoussy Hassan, e Siguiri, Aboubacar Sidiki Kaba – o que fez crescer os rumores de que por trás do conflito com a Vale haveria lutas políticas envolvendo o massacre.

Membros de um comitê de crise formado em Zogota em torno dos sobreviventes também protestam contra a presença da VBG na região e contra cinco ministros. Desde o massacre, o país vive em conflito político, impulsionado pelas eleições legislativas que se aproximam. Na segunda-feira, protesto de moradores de Zogota e N’zérékoré foi proibido pelas autoridades locais.