Convenção 169 da OIT: o descaso brasileiro
“Atualmente o exemplo mais emblemático é a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, mas o desrespeito à consulta acontece em diversas regiões do país”, denuncia a advogada da Comissão Pró-Índio de São Paulo.
Depois de ignorar diversas vezes a Convenção 169 da OIT, que determina o direito de consulta prévia às comunidades indígenas e quilombolas, o Estado brasileiro foi pressionado após a divulgação do Informe da Comissão de Peritos da OIT, ocorrida nesse ano. Apesar das críticas recebidas, “o governo federal não apresentou nenhuma proposta por enquanto”, informa Carolina Bellinger à IHU On-Line.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, a advogada da Comissão Pró-Índio de São Paulo esclarece que o informe da OIT “apontou diversas situações em que o direito à consulta prévia não foi respeitado, sendo um dos casos mais conhecidos o do processo envolvendo a construção da hidroelétrica de Belo Monte, na Amazônia, e o caso da construção do Centro de Lançamentos de Alcântara (Maranhão), que promoveu deslocamentos compulsórios na região, afetando 139 lugarejos e comunidades quilombolas”.
Apesar de Belo Monte ser o caso mais emblemático em relação ao descumprimento da Convenção 169 da OIT, Carolina destaca que a situação se repete em diversas regiões do país, a exemplo da “construção do Rodoanel, anel viário localizado na capital que liga as principais rodovias do Estado, que afetou duas terras Guarani na cidade”.
Carolina Bellinger é graduada em Ciências Jurídicas e mestranda em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo – USP. É assessora de projetos e advogada da Comissão Pró-Índio de São Paulo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em que contexto histórico o Estado brasileiro propôs a regulamentação da consulta prévia aos povos indígenas e assinou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT?
Carolina Bellinger – O governo brasileiro se sentiu mais pressionado após a divulgação do Informe da Comissão de Peritos da OIT, ocorrida nesse ano. O informe apontou diversas situações em que o direito à consulta prévia não foi respeitado, sendo um dos casos mais conhecidos o do processo envolvendo a construção da hidroelétrica de Belo Monte, na Amazônia, e o caso da construção do Centro de Lançamentos de Alcântara (Maranhão), que promoveu deslocamentos compulsórios na região, afetando 139 lugarejos e comunidades quilombolas.
IHU On-Line – Em algum caso a Convenção 169 da OIT foi considerada e as comunidades ouvidas?
Carolina Bellinger – Em abril de 2008, o governo convocou 300 lideranças para fazer uma suposta consulta nos dias 15 a 17 de abril de 2008. Queriam consultar sobre a minuta de ato normativo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra destinado a disciplinar os procedimentos para titulação das terras de quilombo em substituição a IN Incra n. 20/2005. Nessa oportunidade, foi divulgada como a “primeira consulta prévia” do Brasil.
Os quilombolas só receberam as informações sobre as questões no dia em que chegaram ao local e foram muito pressionados pela “urgência” de decidir. Do ponto de vista da CPI, não houve “negociação”, já que as autoridades responsáveis pela decisão sequer estavam presentes.
No mesmo ano, o Brasil tinha o compromisso de encaminhar à OIT um informe sobre a aplicação da Convenção 169 no país. A Central Única dos Trabalhadores – CUT, como representante da classe dos trabalhadores brasileiros nesta Organização Internacional, poderia encaminhar um informe próprio que contivesse a visão da sociedade civil sobre a efetivação dessa Convenção. A Central Única dos Trabalhadores, por sua vez, procurou o movimento quilombola, indígena e outras organizações que trabalhassem com essas causas, dentre elas a Malungu e a Comissão Pró-Índio. Essas entidades se reuniram e redigiram seus relatórios de aplicação da Convenção disponíveis aqui.
Dentre as denúncias encaminhadas à OIT estava a inexistência de um mecanismo permanente para efetividade da consulta prévia, livre e informada. Outros casos de violações lembrados em 2008 são: a concessão de licenciamento ambiental pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente, em 2002; o início das obras de duplicação da rodovia BR 101 (trecho Florianópolis/SC – Osório/RS) pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, em 2004, em local que afetará a comunidade quilombola de Morro Alto, no estado do Rio Grande do Sul; a construção da hidrelétrica de Irapé, entre os anos de 2004 e 2006, que inundou as terras e implicou a remoção da comunidade quilombola de Porto Corís, no estado de Minas Gerais; a expedição de licença prévia pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente, em 2006, para construção do gasoduto Cacimbas-Catu do projeto Gasene (Gasoduto Sudeste Nordeste) em área que, ao longo de seus 940 km de extensão, abrange diversas comunidades quilombolas espalhadas em cinco diferentes municípios do estado do Espírito Santo e 47 municípios do estado da Bahia (transposição do Rio São Francisco); o empreendimento iniciado em julho de 2007, e que afetará área onde vivem 153 comunidades quilombolas nos estados de Pernambuco e Bahia; a concessão florestal para exploração da Floresta Nacional Saracá-Taquera, aberta em julho de 2008, pelo Serviço Florestal Brasileiro/Ministério do Meio Ambiente em território onde vivem 12 comunidades quilombolas, no estado do Pará.
IHU On-Line – Como estão as discussões acerca da consulta prévia dos indígenas em relação a Belo Monte?
Carolina Bellinger – Não houve consulta aos indígenas e o Ministério Público Federal do Pará levou o caso ao Judiciário. O procurador da República no estado do Pará, Felício Pontes Jr., atua no caso para que as obras da hidrelétrica sejam suspensas. Um dos pontos de sua argumentação é o desrespeito ao direito à consulta prévia por parte dos indígenas, direito que não foi respeitado.
IHU On-Line – Quais foram os principais casos em que a Convenção 169 da OIT foi desrespeitada no Brasil? Quais são os exemplos mais emblemáticos desse desrespeito?
Carolina Bellinger – Atualmente o exemplo mais emblemático é a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, mas o desrespeito à consulta acontece em diversas regiões do país. Na oficina promovida pela Comissão Pró-Índio de São Paulo no mês passado com os índios Guarani desse estado, os indígenas lembraram que não foram consultados na construção do Rodoanel (anel viário localizado na capital que liga as principais rodovias estaduais, que afetou duas terras Guarani na cidade). Já os quilombolas do Pará estão discutindo o caso de um projeto de mineração.
No município paraense de Oriximiná, o levantamento da Comissão Pró-Índio de São Paulo realizado em julho de 2011 identificou concessões de lavra de bauxita incidentes em duas terras quilombolas, onde vivem 12 comunidades. A área de sobreposição das concessões emitidas para a Mineração Rio do Norte com os territórios soma aproximadamente 16 mil hectares.
O plano de lavra da Mineração Rio Norte prevê o início da exploração dos platôs incidentes em terras quilombolas a partir de 2019 (Serviço Florestal Brasileiro, s/d.) e a empresa já iniciou os trabalhos na área sem qualquer consulta ou comunicação oficial aos quilombolas.
IHU On-Line – As comunidades indígenas e quilombolas têm conhecimento sobre o direito de serem consultadas diante dos projetos do governo quando envolvem seus territórios?
Carolina Bellinger – Em cada comunidade é uma realidade diferente. Percebemos que existem quilombolas e indígenas que só ouviram falar na Convenção; outras lideranças já têm algum conhecimento acumulado. De maneira geral, eles identificam casos em que esse direito não foi respeitado.
IHU On-Line – Como estão sendo realizadas as oficinas da Comissão Pró-Índio no sentido de orientar as comunidades indígenas? Como eles se manifestam diante da Convenção 169 da OIT?
Carolina Bellinger – Está acontecendo a segunda oficina realizada pela Comissão Pró-Índio. A primeira aconteceu em maio deste ano, em uma aldeia guarani de São Paulo, região de Mata Atlântica, e agora com quilombolas do Pará, região Amazônica. Ainda estamos planejando a realização de outras oficinas com esses grupos.
IHU On-Line – Em janeiro deste ano o governo criou o Grupo de Trabalho Interministerial para estudar e apresentar uma proposta de regulamentação dos procedimentos de consulta prévia da Convenção 169. Você tem informações de como estão as discussões do Grupo de Trabalho? O Estado já tem uma proposta?
Carolina Bellinger – O Grupo de Trabalho é coordenado pela Secretaria Geral da Presidência da República e pelo Ministério das Relações Exteriores cujos representantes participam da oficina que acontece com os quilombolas no Pará. O processo de informação e debate da regulamentação já teve início com a realização de reuniões e um seminário em Brasília, que contaram com a participação de lideranças indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais e ainda de ONGs e diversos órgãos governamentais, entre as quais a Comissão Pró-Índio de São Paulo. O governo programou para o primeiro semestre de 2013 a realização de encontros regionais para a construção da proposta de regulamentação, que deverá ser aprovada até dezembro de 2013. O governo federal não apresentou nenhuma proposta por enquanto.