CNMP blinda Demóstenes

correiobraziliense

Conselho Nacional do Ministério Público decide que ex-senador tem direito à vitaliciedade como promotor, o que dificulta a demissão dele

O ex-senador Demóstenes Torres, cassado em 11 de julho do ano passado por ter colocado o mandato a serviço da organização criminosa comandada pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira, foi favorecido ontem por decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Apesar de referendar o afastamento dele por mais 60 dias, o colegiado decidiu, por sete votos a cinco, que o ex-parlamentar tem vitaliciedade. Nesse caso, ele só pode ser demitido após ação penal transitada em julgado a ser proposta pela procuradoria-geral de Justiça do Ministério Público de Goiás.

No entanto, se o entendimento fosse de que o ex-senador não é vitalício, Demóstenes poderia ser demitido pelo próprio CNMP após o término do processo administrativo disciplinar (PAD). A decisão tomada ontem abre um precedente. A Constituição de 1988 tornou vitalício todos os integrantes do órgão, mas quem já fazia parte da instituição poderia fazer opção pelo modelo anterior. Nesse caso, perderia a vitaliciedade. Em contrapartida, poderia advogar, filiar-se a partidos políticos e concorrer a cargos eletivos sem a necessidade de pedir exoneração do MP. Foi justamente essa a opção feita por Demóstenes Torres.

Mas, ontem, o CNMP considerou que a vitaliciedade é garantia da sociedade brasileira, e não uma perrogativa do integrante do Ministério Público. Segundo o entendimendo do plenário, a vitaliciedade possibilita o exercício da atividade do membro do MP. Além da perda do cargo, que é a maior punição prevista na legislação, o CNMP pode, ao fim do processo administrativo disciplinar, apenas adverti-lo ou aposentá-lo compulsoriamente.

A relatora do PAD, Claudia Chagas, considerou que o procurador de Justiça não teria a garantia da vitaliciedade, considerando sua opção pelo regime jurídico anterior ao da Constituição. Os conselheiros Jarbas Soares, Alessandro Tramujas, Lázaro Guimarães, Jeferson Coelho, Maria Ester, Mario Bonsalgia e Roberto Gurgel não acompanharam o voto da relatora. Luiz Moreira, Taís Ferraz, Almino Afonso e Adilson Gurgel votaram com a relatora. Tito Amaral e Fabiano Silveira se declararam impedidos.

Em relação ao afastamento por mais 60 dias, a relatora argumentou que a medida é necessária, dada a gravidade dos fatos investigados. Além disso, segundo ela, a presença do ex-senador no Ministério Público de Goiás pode prejudicar o andamento do trabalho do órgão. “Há grande constrangimento e desconforto na instituição, comprometendo inclusive o exercício normal das atribuições ministeriais, o que até chegou a justificar solicitação de 82 (oitenta e dois) membros para a atuação do CNMP no caso”, afirmou. Mesmo afastado do cargo, o ex-senador continuará recebendo o salário de R$ 24,2 mil.

O procurador-geral de Justiça, Roberto Gurgel, refutou a tese de que houve blindagem. “Hoje (ontem), discutiu-se a questão da vitaliciedade, afirmou-se que ele detém, mas isso não significa qualquer imunidade, qualquer blindagem. Isso será analisado no julgamento final do conselho, e qualquer membro do MP, mesmo vitalício, está sujeito à aplicação de todas as penalidades cabíveis.”

Cassação

O ex-parlamentar foi cassado após acusações de envolvimento com o grupo do bicheiro Carlinhos

Cachoeira. As denúncias surgiram em março do ano passado. Durante o período em que tentou se defender das acusações, o ex-parlamentar chegou a pedir desculpas a cada um de seus colegas e disse ser vítima de um processo de difamação causado pelo vazamento de conversas gravadas pela Polícia Federal durante as operações Vegas e Monte Carlo. Os argumentos não convenceram nem a opinião pública nem os senadores.

Demóstenes ficará inelegível por oito anos, contados a partir do fim do mandato para o qual foi eleito. Dessa maneira, só poderá concorrer a um cargo político em 2027. No lugar dele, assumiu o suplente Wilder Pedro de Morais, que era secretário de Infraestrutura do governo de Goiás.

Nas interceptações telefônicas, Demóstenes alerta Cachoeira sobre operações do Ministério Público e da Polícia Federal, orientava o amigo sobre projetos de lei que dificultariam a vida do contraventor e deixava evidente que era o braço político da quadrilha.

“Há grande constrangimento e desconforto na instituição, comprometendo inclusive o exercício normal das atribuições ministeriais” –

Claudia Chagas, relatora do

PAD de Demóstenes

Entenda o caso

Confira como está o caso do ex-senador Demóstenes Torres no Ministério Público de Goiás

Vitaliciedade

»

A Constituição de 1988 tornou vitalício todos os integrantes do MP.

»

Aqueles que já faziam parte da instituição poderiam optar pelo regime anterior.

»

Quem escolhesse pelo regime diferenciado perderia, no entanto, a vitaliciedade. Como vantagem, em contrapartida, poderiam advogar, filiar-se a partidos políticos e concorrer a cargos eletivos sem a necessidade de pedir exoneração.

»

Demóstenes optou pelo regime anterior. Portanto, não teria mais direito à vitaliciedade do cargo.

»

A decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) de ontem foi contrária a este entendimento e o ex-senador continua sendo vitalício.

Demissão distante

»

Após a decisão de ontem, o ex-senador só poderá ser demitido após ação penal transitada em julgado.

»

Neste caso, o CNMP precisa encaminhar todo o processo à procuradoria-geral do Ministério Público de Goiás.

»

O MP-GO, se entender que as atitudes do ex-parlamentar são passíveis de demissão, move uma ação civil pública contra o ex-senador.

»

Antes da decisão de ontem, Demóstenes já poderia ser demitido ao término do processo administrativo disciplinar (PAD).