A falência de Detroit na mira das aposentadorias e pensões
Em dezembro de 2012, o legislativo de Michigan aprovou a lei chamada de “Right to Work”, que assegura o direito de o empregado participar ou não de sindicatos, mas que não tem como objetivo proporcionar garantia geral de emprego para as pessoas que procuram trabalho.
A partir da lei, o governador obteve o direito de impor “gerentes de emergência” nas cidades. Dois dias depois a aprovação da “right to work”, o gerente de emergências de Detroit, Kevyn Orr, anunciou o código de falência descrita no capítulo 9 da Constituição, que deve impor uma trajetória já prevista com maior empobrecimento e mais privatizações.
A falência permitirá que o juiz designado para tanto imponha mais cortes nos gastos da cidade e anule os contratos sindicais. O principal alvo no corte de despesas são as pensões devidas aos 21 mil aposentados da cidade e 9 mil trabalhadores ativos. A cidade estima que seu fundo de pensão esteja com um déficit de 3,5 bilhões de dólares, e pretende reduzir os pagamentos de ambos, tanto para os trabalhadores como para os detentores de títulos que emprestaram dinheiro à cidade ao longo dos anos: a igualdade de sacrifício.
Michael Mulholland, vice-presidente de um dos maiores sindicatos nos Estados Unidos, o American Federation of State, County and Municipal Employees (AFSCME), representante de cerca de 1,5 milhão de trabalhadores, principalmente aqueles que trabalham no setor, disse que os
trabalhadores da cidade estão “em um estado que varia entre uma total perplexidade e uma raiva completa. Tudo o que a eles foi prometido, de forma contratual ou em uma espécie de contrato social, está sendo retirado deles. É moralmente indefensável”.
Mulholland se aposentou em fevereiro, depois de 29 anos e meio no Departamento de Águas. ”Eu poderia ter trabalhado em outro lugar e ter ganhado mais dinheiro”, disse ele, “mas me disseram que se eu trabalhasse aqui eu teria um emprego estável e na minha velhice eu não ficaria em situação de pobreza”.
Detroit, que agora tem menos de 700 mil habitantes, é a maior cidade em falência na história dos EUA.
Kevyn Orr confirmou apressadamente o arquivamento do processo, porque advogados sindicais dos fundos de pensão foram chamados a comparecer no tribunal na segunda-feira, a fim de defender uma liminar contra a falência solicitada.
A constituição estadual supostamente protege as pensões dos funcionários públicos: “Os benefícios financeiros acumulados de cada plano de pensão e do sistema de aposentadoria do Estado e suas subdivisões políticas devem ser considerados uma obrigação contratual e não deverão ser diminuídos ou prejudicados.” Mas os defensores que querem fazer com que os trabalhadores da cidade façam o sacrifício notam que os juízes da falência têm ampla liberdade para quebrar contratos.
A parceria com o governador e os bancosOs especialistas acreditam que outros estados e cidades olhariam para Detroit como um modelo para gerenciar os orçamentos municipais em crise. Uma recente lei em Rhode Island especifica que, caso haja uma falência da cidade, detentores de títulos devem ser pagos em primeiro lugar, antes dos pensionistas.
Questionado sobre a possibilidade de o legislativo de Michigan aprovar uma lei semelhante, Mulholland riu. ”Se eles propusessem uma lei dizendo que todos os habitantes de Detroit deveriam ser fuzilados”, disse ele, ”alguns deles se levantariam à meia-noite para assinar tal lei”. O governador Rick Snyder conduziu o processo de colocação de Detroit em um ”decreto de consentimento”, a regra de Kevyn Orr, e agora a falência.
O Legislativo, dominado pelos republicanos há muito tempo, tem sido hostil à maioria negra de Detroit. Em novembro de 2012, os eleitores do estado aprovaram um referendo que rejeitou uma lei anterior de “gestão de emergência”, que havia sido usada quase exclusivamente para assumir o governo das cidades e distritos escolares de maioria negra. Algumas semanas mais tarde, o Legislativo simplesmente aprovou a lei novamente.
Embora a lei exija que haja negociações com as partes envolvidas antes de se protocolar um pedido de falência para a cidade, Mulholland, que estava presente nas negociações, disse: ”Não eram negociações, eram apresentações em PowerPoint sobre como a situação da cidade está péssima”.
“Kevyn Orr não responderia aos pedidos do AFSCME para as negociações e, sendo assim,eles gravaram uma carta e a postaram na porta de seu escritório.”
Como um membro do AFSCME que havia já alcançado o topo da escala de remuneração, a pensão de Mulholland é de 1600 dólares por mês, antes das deduções das contribuições com plano médico. Ele afirmou que a quantia exata que Kevy Orr pretende retirar dos aposentados nunca foi informada com clareza, apesar de os líderes sindicais terem sido informados de que as contribuições com o plano médico seriam cortadas.
Dois anos atrás, ele disse, os funcionários municipais encorajaram os trabalhadores a se aposentar imediatamente. Agora os trabalhadores ativos ouvem o seguinte: ”relaxem, nosso alvo são apenas os aposentados”.
Kevyn Orr apregoa a falência como uma forma de melhorar os serviços da cidade, o que, frequentemente, no mundo em que ele vive, é um código para a privatização.
Serviços de água, coleta de lixo, um parque em uma ilha chamada Belle Isle e o Instituto de Artes de Detroit têm sido mencionados como potenciais itens vendáveis. ”A única coisa que eles irão melhorar é o lucro final de alguém”, Mulholland previu.
A General Motors, que tem sede no centro da cidade, disse que não seria afetada pela falência. Aparentemente, com Snyder –
ele está concorrendo à eleição para governador, com base em seu histórico e reputação como empresário
– no comando, os negócios ficarão bem.
(Por Jane Slaughter – da Labor Notes Magazine)